A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidiu, por unanimidade, afastar o juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira (foto), da 3ª Vara Federal de Campo Grande, das ações da Operação Lama Asfáltica. Com base no voto do relator, desembargador Paulo Fontes, todas as ações penais por corrupção contra o ex-secretário estadual de Obras, Edson Giroto, serão anuladas. A decisão bombástica pode deixar sem punição os acusados de estarem envolvidos em um dos maiores esquemas de corrupção da história de Mato Grosso do Sul.
Punido por ser metódico, detalhista e ágil na condução dos processos, o magistrado acabou sendo punido mais pelas virtudes e boas intenções do que falhas. Conforme o acórdão, as ações contra Giroto, inclusive a que levou à suspeição, que envolve o desvio milionário na pavimentação da MS-430, deverão recomeçar do zero e ser analisadas pela substituta imediata, a juíza Júlia Cavalcante Silva Barbosa.
O desembargador Paulo Fontes apontou como falhas graves de Teixeira os longos memorias em que ele defendia suas decisões. “Em relação às informações prestadas em habeas corpus, reconhece-se um empenho do magistrado, maior do que usualmente se observa, em defender o seu ponto de vista e a correção de suas decisões, prestando informações em dezenas de páginas, a revelar possivelmente estado de espírito excessivamente apegado às convicções iniciais formadas e pouco permeável ao contraditório”, apontou.
O juiz Bruno Cezar teria atuado de forma “inquisitorial” durante a audiência de instrução e julgamento pelos desvios na MS-430, nos dias 21 e 22 de setembro deste ano. De acordo com o desembargador, apesar do Ministério Público Federal não ter nenhum questionamento, o magistrado fez 40 perguntas à testemunha Renato Márcio Giordano. O mesmo ocorreu com outras duas testemunhas.
“Não é o que se constata, contudo, das audiências mencionadas nos referidos memoriais, realizadas nos dias 21 e 22 de setembro do ano em curso. Ali, por exemplo, ao ser ouvida a testemunha Renato Márcio Giordano, após o representante do Parquet asseverar que não tinha perguntas, o magistrado faz cerca de 40 (quarenta) indagações, num nível de detalhamento extremamente grande, sobre questões técnicas relacionadas às obras”, pontuou o desembargador do TRF3.
“Se em tese o conhecimento do processo e o esforço do magistrado seriam elogiáveis, verifica-se aqui o descumprimento da lei, em sua letra e espírito, configurando a postura inquisitorial ou acusatória vedada, pois incompatível com a imparcialidade”, criticou.
Para Paulo Fontes, o juiz acabou desempenhando o papel do procurador da República ao buscar elementos confirmatórios das fraudes e desvios de recursos públicos. “Entendo, pois, que o MM. Juiz excepto assumiu postura inquisitorial e acusatória na condução do feito, denotando a sua falta de imparcialidade para processar e julgar o caso”, concluiu.
Um antigo entrevero entre Fontes e Bruno Cezar foi incluído no acórdão. O desembargador lembrou da demora do magistrado em cumprir decisão da turma, tomada em 28 de maio de 2019, quando foi determinado o envio à 1ª Câmara Criminal de Campo Grande a denúncia contra o ex-governador André Puccinelli (MDB) por supostamente ter recebido R$ 25 milhões em propinas da JBS.
Jornais divulgaram que o juiz não estava cumprindo a decisão do TRF3. Bruno Cezar recorreu à Associação dos Juízes Federais para se defender. Ele disse que estava tentando obter o acórdão para saber como proceder e que não havia tido acesso ao documento, apesar dos inúmeros contatos com o TRF3.
Fontes citou, no acórdão publicado ontem (14), que a diretora da secretaria, Margareth Perdigão, havia contestado a informação do magistrado. Ela teria informado ao relator que só houve um contato por e-mail no dia 4 de julho de 2019.
Outra briga antiga é referente ao inquérito 398/2012, que investigou o pagamento de propina da licitação do lixo ao grupo do ex-prefeito Nelsinho Trad (PSD). A defesa de João Amorim conseguiu parar os processos da Lama Asfáltica por dois anos e meio por alegar que o juiz não cumpria a decisão de lhe dar acesso a todo o inquérito. O magistrado alegou, inutilmente na ocasião, que o caso tramitava em sigilo e estava fazendo tudo que estava o seu alcance para cumprir a determinação.
“Diante de todo o exposto, considero que deva ser reconhecida a suspeição do MM. Juiz para atuar no feito. Apesar de a hipótese não estar explícita no art. 254 do Código de Processo Penal, o caso pode ser considerado de suspeição, por ferir o princípio acusatório, de sede constitucional”, concluiu o relator, sendo acompanhado pelos colegas de turma.
Realmente a atuação “inquisitorial” e suposta “formação de convicção” por parte do magistrado não consta do Código do Processo Penal. No caso da legislação brasileira, o juiz só pode ser considerado suspeito se for amigo íntimo ou inimigo, cônjugue ou parente, credor ou devedor, sócio ou acionista da sociedade interessada no processo ou se tiver aconselhado uma das partes.
“ANTE O EXPOSTO, julgo procedente a presente exceção para declarar o excepto suspeito para atuar no caso, determinando a remessa do processo em questão ao substituto legal e anulando-se todos os atos decisórios e instrutórios a partir da decisão de recebimento da denúncia (inclusive)”, determinou a turma.
Com a decisão, a juíza Júlia Cavalcante vai analisar todas as ações envolvendo os desvios milionários da Lama Asfáltica, que passam de R$ 430 milhões, desde o protocolo feito pelo MPF. Advogado experiente analisa que a medida deverá levar a prescrição dos crimes de corrupção investigados na Operação Lama Asfáltica.
Giroto poderá pedir a anulação das duas condenações por ter ocultado mais de R$ 11 milhões supostamente desviado dos cofres públicos na compra de duas fazendas. Ele foi condenado a nove anos, dez meses e três dias na primeira sentença, mas a pena foi reduzida a cinco anos e três meses. Na segunda, ele foi condenado a sete anos e meio.
A onda de revisões de condenações por corrupção ganhou força nos últimos anos no Brasil. As cortes estão revendo as condenações de vários réus na Lava Jato, como o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari, o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
“Já se disse que ‘a toga não amortalha o homem’ e disso não discordamos. Não se deseja que o magistrado seja indiferente à corrupção e aos males que assolam o país. Mas há um limite sutil entre o empenho profissional e a determinação em aplicar a lei penal e a postura inquisitorial que não é admitida pelo ordenamento jurídico pátrio, pois compromete a imparcialidade do magistrado. Penso que o MM. Juiz Federal excepto transpôs esse limite.
“Penso que a passagem destaca uma ideia, um ideal que deve ser buscado pelos juízes. É preciso cuidar para que as decisões e manifestações anteriores à sentença, do ponto de vista objetivo, não contenham uma apreciação tão completa dos fatos e de suas implicações jurídicas que não deixem espaço para eventual reconsideração acarretada pela atividade probatória ulterior das partes; do ponto de vista subjetivo, o juiz deve tentar na medida do possível não se deixar convencer antes da sentença de forma tão completa que se torne imune à reflexão crítica que pode advir da instrução.
A atividade anterior à decisão definitiva é de tal modo capaz de afetar a imparcialidade do juiz que muitos ordenamentos, desde o século XIX, adotaram a figura do ‘juiz de instrução’, que desenvolve a atividade probatória e pode decretar medidas gravosas, mas está impedido de julgar o caso
No presente caso, tenho que o MM. Juiz excepto, convencido da culpa dos réus, tendo decretado medidas gravosas e de grande repercussão, passou a conduzir a causa sem a necessária equidistância dos pontos de vista acusatório e defensivo, dificultando a atividade probatória da defesa e agindo com rigor por vezes excessivo, noticiado sempre pelas defesas e em muitos casos abrandado por decisões desta E. 5ª Turma.
Em relação às informações prestadas em habeas corpus, reconhece-se um empenho do magistrado, maior do que usualmente se observa, em defender o seu ponto de vista e a correção de suas decisões, prestando informações em dezenas de páginas, a revelar possivelmente estado de espírito excessivamente apegado às convicções iniciais formadas e pouco permeável ao contraditório.
Constata-se que o magistrado adotou nas audiências postura claramente inquisitória ou acusatória, modelo do qual o nosso processo penal vem tentando se afastar desde a Constituição de 1988, passando por alterações legislativas diversas nesse sentido, inclusive com o recente pacote anticrime