Subsecretário mapeou 400 nascentes degradadas no MS; eucalipto consome, sozinho, 30 vezes a água que São Paulo usa em um dia
Thais Dias
Nas terras onde o cerrado se entrelaça com o Vale da Celulose, uma conta não fecha: a cada nascente de córrego cercada por eucaliptos, o subsolo perde água. O subsecretário de Meio Ambiente de Selvíria, Valticinez Barbosa Santiago, percorreu dezenas dessas nascentes no Leste do Mato Grosso do Sul e encontrou um padrão alarmante: em cada cabeceira, 116 árvores sugando o lençol freático. Em Paranaíba, o plantio invadiu áreas que, embora respeitem os 50 metros de distância exigidos pelo Código Florestal, já mostram os sinais de um desastre anunciado.
Das mais de 400 nascentes mapeadas por Santiago na região do Bolsão sul-mato-grossense – epicentro da maior produção de celulose do planeta –, muitas já secaram. Outras estão em vias de desaparecer, espremidas entre florestas homogêneas de eucalipto, árvore que responde por 90% da celulose brasileira e é acusada de ser uma “máquina de sugar água”.
O Ciclo Quebrado: Quando o Progresso Seca o Futuro
Enquanto as florestas de eucalipto retiram carbono e movimentam a economia, seu consumo hídrico é estratosférico: sozinhas, absorvem por dia 30 vezes o volume de água que a cidade de São Paulo (12 milhões de habitantes) consome. O problema é visível nos poços artesianos da região. “Antes, a água aparecia a 70 metros de profundidade. Hoje, é preciso cavar até 130 metros”, relata Santiago.
O impacto atinge até o Aquífero Guarani, que aflora em municípios como Três Lagoas e Ribas do Rio Pardo – líderes nacionais na produção de celulose. Estudos acadêmicos já associam o avanço do eucalipto à redução na recarga de aquíferos, mas o poder público demorou a agir. Em março, uma audiência na Assembleia Legislativa chocou deputados, e o Senado marcou debates para agosto.
O deputado Zeca do PT, ex-governador que trouxe a primeira fábrica de celulose para o Bolsão em 2002, visitou a região e saiu em estado de choque: “As nascentes estão secando, literalmente secando!” Ele questiona: “Isso tem a ver ou não com o eucalipto?”
Autolicenciamento e a Fiscalização Fantasma
Para Santiago, a solução passa por medidas urgentes:
Aumentar a distância mínima entre plantios e nascentes de 50 para 500 metros;
Acabar com o autolicenciamento ambiental, que permite às empresas aprovar seus próprios projetos;
Destinar royalties de compensação ambiental aos municípios afetados.
Hoje, porém, o governo federal quase não fiscaliza a região, limitando-se a programas sociais em assentamentos onde 30% a 40% dos pequenos agricultores já trabalham para as celuloses, segundo servidores locais.
O Outro Lado: A Defesa do Eucalipto
A Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária do MS) rebate as críticas, citando estudos do IPEF e da FAO: o eucalipto, dizem, é cultivado há um século no Brasil e não consome mais água que o café. Em nota, destacam que o plantio ocorre em áreas já antropizadas (como pastagens degradadas) e que Três Lagoas tem chuvas abundantes (1.340 mm/ano), acima do mínimo recomendado.
Mas, no chão, a realidade é outra. “Precisamos de ordenamento territorial antes que seja tarde”, alerta Fábio Ayres, geógrafo da UEMS. Enquanto o debate se alonga, as torneiras do cerrado podem estar secando em silêncio.