Tribunal aponta falta de estudo técnico, pesquisa de preços insuficiente e edital que restringiu concorrência. Secretário foi multado em R$ 2,5 mil
Em um alerta recente sobre a gestão do dinheiro público, o Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul (TCE-MS) tornou públicas, na edição desta quarta-feira (10) do seu Diário Oficial Eletrônico, decisões que atingem as prefeituras de Três Lagoas e Iguatemi. Os julgamentos consideraram irregulares licitações e contratos que, somados, representam quase R$ 14 milhões em recursos públicos que foram aplicados com graves falhas. Apesar da magnitude dos valores envolvidos, as penalidades impostas aos gestores responsáveis foram multas pessoais de valores consideravelmente baixos, gerando questionamentos sobre a proporcionalidade entre o prejuízo ao erário e a punição aplicada.
O caso de maior impacto financeiro, que chama a atenção pelo volume de recursos, ocorreu no município de Três Lagoas. Processo licitatório do tipo pregão presencial, no valor expressivo de R$ 11,9 milhões, destinado à aquisição de veículos para a frota municipal, foi julgado completamente irregular pelo Tribunal. As falhas apontadas pelos auditores e conselheiros do TCE-MS foram severas e fundamentais. Em primeiro lugar, foi constatada a completa ausência de um estudo técnico preliminar. Este estudo é uma peça essencial, pois é ele que justifica tecnicamente a necessidade da compra, define a quantidade de veículos necessários e especifica os modelos adequados para as funções que desempenhariam, assegurando que o gasto milionário é realmente indispensável para o serviço público. Sem ele, a compra se torna um mero dispêndio de recursos sem embasamento.
Além disso, a pesquisa de preços realizada pela administração municipal foi considerada insuficiente. Uma pesquisa de preços robusta é crucial para garantir que o governo esteja pagando o valor justo de mercado e para fornecer parâmetros para a disputa entre os fornecedores. Uma pesquisa falha pode levar o poder público a pagar mais caro, onerando desnecessariamente os cofres públicos. Outro ponto grave foi a constatação de que o edital da licitação, o documento que estabelece as regras do jogo, continha critérios que restringiram artificialmente a competitividade. Tais critérios, não raramente, podem ser moldados para beneficiar uma empresa específica, impedindo que outras companhias, potencialmente mais eficientes ou com preços melhores, pudessem participar e disputar o contrato. Essa prática fere o princípio básico da licitação, que é a busca pela proposta mais vantajosa para a administração. Em decorrência de todas essas irregularidades, o secretário municipal que era responsável pela pasta à época dos fatos foi penalizado com uma multa pessoal de 50 UFERMS, que equivale a R$ 2.581,00. Um valor que, para muitos, parece simbólico perante a gravidade das falhas e o montante de recursos envolvido.
O município de Iguatemi também foi alvo da fiscalização do Tribunal em dois processos distintos. O primeiro diz respeito a um contrato de R$ 1,3 milhão para a realização de obras de pavimentação. A irregularidade central aqui foi a existência de divergências concretas entre os valores que foram inicialmente pactuados no contrato e os valores que foram efetivamente pagos pela prefeitura ao final da execução das obras. Essa disparidade, sem a devida justificativa e aprovação legal, abre um perigoso precedente para superfaturamento e desvios, pois significa que a administração pública pagou um valor diferente do que foi acordado formalmente. Somado a isso, a prefeitura atrasou de forma significativa a entrega de documentos obrigatórios que comprovassem a regularidade da execução do contrato, dificultando o trabalho de fiscalização. Pelas duas falhas, o prefeito do município foi multado em 64 UFERMS, o que corresponde a R$ 3.303,68.
O segundo caso em Iguatemi envolveu um pregão no valor de R$ 259 mil para a aquisição de materiais. Neste processo, a irregularidade foi ainda mais clara em seu caráter de exclusão: o edital da licitação restringiu, de forma explícita, a participação na disputa apenas às empresas que tinham sede no próprio município de Iguatemi. Essa condição, embora possa parecer um estímulo à economia local, é vedada pela lei de licitações. Ela fere frontalmente o princípio da isonomia, que garante a todos os interessados, de qualquer lugar do país, condições iguais de disputa. Ao limitar geograficamente a concorrência, a administração pública reduz o número de competidores, o que quase sempre resulta em preços finais mais altos e menos vantajosos para o poder público, que deixa de aproveitar a livre concorrência do mercado nacional. Por esta irregularidade, que prejudica intencionalmente a disputa, o prefeito recebeu uma multa de 50 UFERMS, equivalente a R$ 2.581,00.
Em todas as três decisões, o Tribunal de Contas foi além da simples aplicação de multas. A Corte ressaltou, de forma enfática, a necessidade absoluta de que as prefeituras adotem um rigor técnico e jurídico muito maior na elaboração de seus editais e contratos. Como medida corretiva e pedagógica, o TCE-MS determinou, em todos os casos, a expedição de uma recomendação formal aos atuais responsáveis pelas pastas envolvidas. O objetivo desta recomendação é alertá-los detalhadamente sobre cada irregularidade apontada, servindo como um guia para que tais equívocos graves não se repitam em contratações futuras, assegurando que os impostos pagos pela população sejam aplicados com a eficiência, a economicidade e a legalidade que são devidas.