Após operação nacional, MS declara guerra a empresas-fantasma do PCC no setor de combustíveis

Sefaz anuncia maior operação do fisco estadual para combater sonegação e fraude que causaram rombo de até R$ 10 bilhões; Imasul também fará vistoria ‘in loco’

 

Pegos de surpresa pela escala da Operação Carbono Oculto, deflagrada pela Receita Federal, Ministério Público de São Paulo e Polícia Federal no final de agosto, os órgãos de controle de Mato Grosso do Sul acordaram para a urgência de depurar o condomínio ilegal de empresas ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC) instalado no polo empresarial da Rodovia da Balsinha, em Iguatemi, a 425 quilômetros de Campo Grande.

A ação mais contundente está sendo preparada pela Sefaz (Secretaria Estadual de Fazenda), que fará um pente-fino em todas as empresas do setor de combustíveis que se instalaram no Estado nos últimos anos. O objetivo da maior operação do fisco estadual é estancar a sonegação de tributos e a proliferação de empresas que usam de fraude para operar. Paralelamente, o Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) anunciou uma ação “in loco” para verificar a regularidade ambiental das empresas envolvidas.

As perdas estimadas para os cofres públicos são astronômicas: um rombo de, no mínimo, R$ 8 bilhões a R$ 10 bilhões em impostos não pagos, somente considerando as operações em Iguatemi e na capital, Campo Grande.

O epicentro do esquema

No km 18 da Rodovia da Balsinha, o empresário Mohamed Hussein Mourad, apontado pelas investigações como o articulador do esquema e que permanece foragido, instalou oito empresas de distribuição, formulação e comércio de combustíveis. Elas atuaram nos últimos cinco anos sem serem incomodadas por órgãos municipais ou estaduais.

São elas: Duvale, Safra, Orizona, Maximus, Alpes, Império, Arka e Star. A maioria está em nome de Armando Hussein Ali Mourad, irmão de Mohamed, considerado o braço empresarial do PCC no setor. A rede, que incluía centenas de postos de combustíveis e lojas de conveniência no país, era controlada por familiares.

O que chama a atenção é a tranquilidade com que o esquema se estruturou. A Prefeitura de Iguatemi não fiscalizou os alvarás de funcionamento, e o governo estadual foi omisso tanto na parte tributária quanto ambiental. O caso se tornou paradigmático da falha de controle.

Em 2020, o Estado anunciou a pavimentação da MS-290, obra que saltou de R$ 42,4 milhões para R$ 70,8 milhões em 2023. No mesmo período, uma leva de distribuidoras de combustíveis, muitas ligadas a Mourad, surgiu no endereço da Balsinha. A coincidência de cronogramas mostra como o investimento público em infraestrutura acabou favorecendo a criação de um polo logístico que, na prática, pela falta de fiscalização, serviu como fachada para movimentações financeiras ilegais.

Ações em andamento

Em nota, a Sefaz confirmou as ações e disse que realiza monitoramento contínuo do setor. A secretaria informou que uma operação conjunta com a ANP em Iguatemi, no dia 4 de setembro, já levou à interdição imediata do local após a constatação de irregularidades.

O próximo passo será a publicação das licenças operacionais pela ANP, abrindo caminho para o cancelamento das inscrições estaduais das empresas envolvidas. “A licença da ANP é requisito obrigatório para que distribuidoras de combustíveis possam atuar legalmente em Mato Grosso do Sul”, explicou a Sefaz.

Quanto às empresas em Campo Grande, a Fazenda estadual verificou que elas não possuíam inscrição estadual, atuando aparentemente apenas na prestação de serviços, o que tornaria a competência fiscal municipal.

O Imasul, por sua vez, admitiu em nota que não localizou em seus sistemas nenhuma licença ambiental vinculada às empresas mencionadas na operação. “Diante disso, será realizada fiscalização para verificar in loco a regularidade ambiental”, comprometeu-se o órgão.

A reportagem contactou a Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública), que se limitou a informar que “essa investigação é da Polícia Federal”, sem detalhar providências futuras.

A Operação Carbono Oculto, deflagrada em 28 de agosto de 2025, mirou uma rede que movimentou cerca de R$ 52 bilhões em recursos do tráfico de cocaína, lavados através de dezenas de fintechs na Avenida Faria Lima, em São Paulo. A escolha de Iguatemi não foi ao acaso: o município de 14 mil habitantes está na região de fronteira com o Paraguai e a Bolívia, de onde saem cerca de 80% da cocaína e da maconha que abastecem o mercado nacional, tornando a área estratégica e vulnerável ao crime organizado.

O funcionamento do polo na Balsinha não foi fruto de improviso, mas da soma de omissões. A ANP autorizou as operações; a Prefeitura emitiu alvarás, às vezes dispensando taxas; e o Fisco estadual não detectou o sistema organizado de fraudes. O resultado foi um corredor estratégico para o crime, erguido com a chancela burocrática dos próprios órgãos que deveriam impedi-lo.

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