Com investimentos superiores a R$ 60 bilhões concentrados em três municípios, região leste do estado vive onda de crescimento econômico, mas enfrenta pressão por moradia, infraestrutura e mão de obra
O que acontece quando um município de 8 mil habitantes recebe um investimento de R$ 25 bilhões? E quando outro, um pouco maior, recebe R$ 22 bilhões? A resposta está no leste de Mato Grosso do Sul, onde uma corrida da indústria de celulose está redesenhando a paisagem econômica e social de cidades pacatas, criando um cenário de oportunidades e desafios extremos.
Batizada oficialmente em maio como Vale da Celulose, a região vive uma transformação profunda. Em Inocência, a chilena Arauco constrói a maior fábrica de sua história, um projeto de R$ 25 bi. A 230 km dali, Ribas do Rio Pardo já opera uma unidade da Suzano, fruto de investimentos de R$ 22 bi. Mais ao sul, Bataguassu aguarda um projeto da Bracell, estimado em R$ 16 bi.
A expectativa de emprego, o aquecimento do comércio e a promessa de avanço na infraestrutura se chocam, no entanto, com realidades duras: especulação imobiliária, escassez de mão de obra qualificada, favelização e o risco de crescimento desordenado.
Em Ribas do Rio Pardo, onde a fábrica da Suzano já está em operação, o cenário é de improviso. O prefeito Roberson Moureira (PSDB) descreve um “cenário caótico”. “As pessoas vieram pelo boom [gerado por boatos de que seria] a cidade mais rica do mundo. A notícia correu. Vieram, mas não tinham qualificação. Invadiram áreas públicas, e hoje temos favelas”, relata.
O contraste é visível: uma favela surge ao lado de vilas de casas novas. A pressão sobre os serviços públicos explodiu. O número de ligações de água saltou de 6 mil para quase 10 mil, indicando que a população, estimada em 23 mil em 2022, já pode ter superado os 30 mil. A rede de esgoto, com capacidade para 20 litros por segundo, já recebe um despejo de 35 litros, segundo a prefeitura.
A Suzano informa que investiu mais de R$ 300 milhões no município em áreas como saúde, educação e habitação, incluindo a construção de 954 casas para seus trabalhadores. “Se não tivessem feito isso, acho que nem conseguiriam tocar a fábrica”, reconhece o prefeito.
Em Inocência, que está na fase de pico das obras (com 6 mil trabalhadores e previsão de chegar a 14 mil), a prefeitura tenta evitar os problemas vividos por Ribas. O prefeito Toninho da Cofapi (PP) diz buscar o aprendizado com os casos anteriores.
Theofilo Militão, diretor da Arauco, afirma que a empresa financiou um plano diretor para o município e está construindo uma vila com 620 casas para mitigar a pressão imobiliária. “Temos conversado com investidores para que olhem para essa região, porque essa é uma demanda que vai existir”, diz o executivo.
Jaime Verruck, secretário de Desenvolvimento do Estado, aponta que o principal desafio é a mão de obra, que se divide em dois momentos: a construção, que atrai trabalhadores migrantes, e a operação da fábrica, que exige capacitação técnica.
“A habitação popular impacta diretamente a retenção da mão de obra”, afirma Verruck. Ele diz que governo, prefeituras e empresas estão comprando terrenos para construção de moradias, além de criar programas de financiamento.
Cidade pioneira no setor, Três Lagoas colhe os frutos do investimento. Seu PIB per capita saltou de R$ 38,5 mil em 2010 para R$ 104,3 mil em 2021, um aumento de 171%. Mesmo assim, enfrenta lacunas, como a recente suspensão dos voos comerciais para a cidade, um revés que o prefeito Cassiano Maia (PSDB) busca reverter atraindo outra companhia aérea.
O Vale da Celulose de MS é parte de uma onda maior. Só no estado, a área de eucalipto pulou de 340 mil hectares para mais de 1,6 milhão de hectares em 15 anos. No ano passado, o setor anunciou investimentos de R$ 105 bilhões no país até 2028, tendo Mato Grosso do Sul como principal destino.
A região vive, portanto, um momento decisivo. O fluxo de bilhões de reais traz a promessa de desenvolvimento histórico, mas escancara a necessidade de planejamento urgente para que o progresso econômico não custe o bem-estar social de suas cidades.
(*) com informações de Folha S. Paulo