Esquema envolveu empresas de fachada em Mato Grosso do Sul e outros quatro estados; substância é altamente tóxica e já causou mortes
Em uma ação nacional para combater o desvio de metanol para a adulteração de bebidas alcoólicas e combustíveis, a Receita Federal e a Polícia Federal deflagraram nesta quarta-feira a Operação Alquimia. A investigação mira um esquema que aproveita a cadeia de importação e distribuição do produto químico para destiná-lo a usos clandestinos.
Em Mato Grosso do Sul, os alvos da operação se concentraram em três municípios: Caarapó, Dourados e Campo Grande. Na capital, os agentes federais cumpriram mandado de busca e apreensão na Brasq Química, uma empresa formalmente ligada ao ramo de cosméticos e perfumaria, localizada na Vila Albuquerque. O imóvel, que surpreendeu moradores da região pelo seu aspecto de abandono, é suspeito de funcionar como uma empresa “laranja” ou “noteira” desde o ano passado.
As investigações indicam que a empresa campo-grandense teria realizado a compra de uma grande quantidade de metanol, da ordem de “milhões de litros”, mas a substância nunca chegou ao endereço oficial. Essa movimentação fantasma caracterizaria a empresa como de fachada, criada para emitir notas fiscais frias e acobertar o desvio do produto.
Esquema em três pilares
Conforme detalhado pelas autoridades, o esquema criminoso é dividido em três etapas principais:
-
Revenda Irregular: Empresas regularmente registradas importam o metanol para uso industrial legítimo, mas parte do produto é repassada ilegalmente para empresas de fachada (as “noteiras”).
-
Fraude Documental: As empresas “noteiras” emitem notas fiscais que indicam o envio do metanol para destilarias ou usinas de etanol. No entanto, os caminhões e motoristas nunca chegam aos destinos informados nos documentos.
-
Destino Final: O metanol desviado é então utilizado por outras empresas para adulterar combustíveis ou, como foco desta operação, é misturado clandestinamente a bebidas alcoólicas.
A Operação Alquimia é um desdobramento de investigações anteriores, como a Operação Carbono Oculto, que já havia identificado empresas em Mato Grosso do Sul atuando como “noteiras” em um esquema de adulteração de combustíveis.
De acordo com Márcia Meng, superintendente da Receita Federal em São Paulo, a escolha dos alvos partiu de um mapeamento de toda a cadeia de distribuição do metanol. “Desde sua importação, lá nos nossos portos, até a utilização dele, seja na adulteração de combustíveis… como também agora, nessa segunda fase, buscando entender de que forma o metanol está chegando a essas fábricas de adulteração de bebidas”, explicou.
A superintendente reforçou o grave risco à saúde pública. “Nós temos observado que esse etanol adulterado e contaminado pelo metanol, altamente tóxico, também acabou sendo desviado para a adulteração de bebidas alcoólicas”.
Nas ações, foram coletadas amostras para análises químicas, que permitirão rastrear a procedência do metanol e compará-las com as encontradas em bebidas falsificadas apreendidas em todo o país.
Fiscalização se intensifica no estado
O combate ao comércio de bebidas adulteradas também mobiliza as polícias locais. Nesta quarta-feira, em Campo Grande, o dono de um conveniência foi preso por vender bebida contrabandeada e produtos impróprios para consumo. Em Ribas do Rio Pardo, uma ação flagrou comerciantes com bebidas sem registro, o que pode caracterizar falsificação. Até o momento, nenhuma bebida com metanol foi encontrada nessas ações locais.
Preocupado com a situação, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) expediu uma recomendação a associações de bares, restaurantes e supermercados para que adotem medidas rigorosas de controle. Entre as orientações estão:
-
Adquirir bebidas apenas de fornecedores idôneos, com CNPJ ativo.
-
Exigir nota fiscal eletrônica e verificar sua autenticidade.
-
Estabelecer procedimento de “dupla checagem” no recebimento de mercadorias.
-
Treinar funcionários para identificar sinais de adulteração, como lacres violados, erros de ortografia nos rótulos ou odor de solvente.
Panorama nacional de intoxicações
Dados mais recentes do Ministério da Saúde contabilizam 148 notificações de intoxicação por metanol no país. Destas, 41 foram confirmadas (nos estados de São Paulo, Paraná, Pernambuco e Rio Grande do Sul), resultando em 8 mortes. Outras 107 notificações ainda estão em investigação. Em Mato Grosso do Sul, quatro casos suspeitos permanecem sob análise, todos na capital Campo Grande.
A operação ocorre em um momento de alerta nacional sobre os perigos do metanol, uma substância altamente tóxica cujo consumo, mesmo em pequenas quantidades, pode levar à cegueira, danos neurológicos irreversíveis e à morte.