Entidades afirmam que política nacional de inclusão, na forma proposta, ameaça o funcionamento de unidades especializadas e a qualidade do atendimento a milhares de estudantes com deficiência
A publicação do Decreto Federal nº 12.686/2025, que institui a Política e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva, gerou forte reação entre entidades que atuam com o Atendimento Educacional Especializado (AEE) em Mato Grosso do Sul. Nesta segunda-feira (3), representantes de 25 instituições se reuniram na Assembleia Legislativa de MS (Alems) para debater os impactos da norma e pedir sua revogação imediata.
Convocado pelo deputado estadual Junior Mochi (MDB), o encontro reuniu dirigentes de entidades como a Apae de Campo Grande, a Federação das Pestalozzis, a AMA (Associação dos Amigos Autistas), a Prodtea e representantes de cidades do interior, além do Movimento Orgulho Autista Brasil. O principal temor das instituições é que o decreto, que obriga a inclusão de crianças com deficiência no ensino regular, represente uma ameaça à existência das escolas especializadas.

Em todo o estado, as Apaes atendem cerca de 6 mil alunos, enquanto em Campo Grande, a rede regular possui aproximadamente 5 mil matrículas de crianças com deficiência. As entidades especializadas argumentam que a forma como a inclusão está sendo implementada desconsidera a complexidade do trabalho que realizam.
“Levei um susto”, diz presidente da Feapaes-MS
A presidente da Federação das Apaes de MS (Feapaes-MS), Fabiana Maria das Graças Soares de Oliveira, relatou que a leitura do decreto foi um choque. “Nós sempre formamos uma rede de pessoas especializadas porque a pessoa com deficiência tem necessidade de múltiplos atendimentos, de equipe multiprofissional. Não é simplesmente colocando um professor na escola que você diz que ele vai dar conta”, afirmou.
Fabiana também criticou um ponto específico do decreto: a redução da exigência de formação para os profissionais de apoio escolar. A norma passou a permitir que pessoas com nível médio e 80 horas de curso específico atuem na função, eliminando a necessidade de nível superior. “Nós lutamos muito pela formação especializada. A minha formação inicial nunca me deu competência para trabalhar com pessoas com deficiência. Não é banalizando a formação que teremos inclusão”, declarou.
Para ela, um sistema verdadeiramente inclusivo deve permitir a coexistência de diferentes modelos de ensino. “O sistema inclusivo é aquele que permite a coexistência de escolas indígenas, do campo, especializadas e comuns. Não podemos eliminar modelos que atendem essa população”, destacou.
Falta de estrutura na rede regular é apontada como entrave
A realidade das salas de aula comuns foi outro ponto central das críticas. A professora e pesquisadora Giselle Saddi Tannous, da Federação da Pestalozzi, apresentou dados de sua dissertação de mestrado, realizada em 45 escolas estaduais. “Perguntei aos professores como era ter um aluno com deficiência na sala. Setenta e oito por cento consideraram desesperador, porque tinham mais de 40 alunos e nenhum recurso”, relatou.
Giselle foi enfática ao afirmar que a infraestrutura das escolas brasileiras não suporta a proposta de inclusão integral. “Estamos falando de escolas do Brasil, com analfabetismo estrutural, não da Suíça. E mesmo países desenvolvidos, como Suíça, Áustria e Alemanha, mantêm escolas especiais”, completou.
Michelle Dibo Nacer Hindo, da Prodtea, que tem familiares com autismo, usou termos fortes para classificar a nova regra. “Os professores não vão aguentar e vão empurrar essas crianças para o ensino domiciliar. A consequência ficará para as mães”, afirmou, chamando o texto de “decreto da morte”.
Ela também destacou a já precária situação dos profissionais de apoio na Rede Municipal de Ensino (Reme) de Campo Grande. “As atendentes de nível médio em Campo Grande ganham cerca de R$ 2,5 mil, metade do piso nacional. Cuidam de até 12 crianças por dia, em dois turnos. Elas acabam desistindo porque não há valorização”, disse.
Michelle alertou que, sem formação adequada, o papel pedagógico se perde. “Se o profissional não tiver formação educacional, será apenas uma babá. Meu filho foi alfabetizado porque teve uma professora especializada. Se só cuidassem da alimentação e higiene dele, nunca aprenderia a ler e escrever”, exemplificou.
O encontro resultou na elaboração de um documento conjunto, que será encaminhado à bancada federal de Mato Grosso do Sul. As entidades pedem votação urgente dos projetos de lei que buscam sustar os efeitos do decreto e cobram um diálogo direto com o governo federal.
O grupo também propõe a realização de uma reunião ampliada para discutir a criação de uma política estadual de educação inclusiva, que garanta o funcionamento das instituições especializadas e a continuidade do atendício às crianças com deficiência, enquanto o impasse com a União não é resolvido.


															
															



															




