‘Máfia dos precatórios’: polícia cumpre mandados de busca e apreensão contra advogados no Acre e MS

Mais de dois meses depois de ter vazado um suposto esquema no pagamento de precatórios no Acre, a Polícia Civil desencadeou, nesta sexta-feira (21), a primeira fase da Operação Status Debitum, que ocorre em Rio Branco e em duas cidades de Mato Grosso do Sul.

A investigação, que segue em sigilo, apura uma denúncia feita à Polícia Federal pelo ex-procurador geral de Justiça do Acre, Edmar Azevedo Monteiro Filho. O caso chegou à polícia em fevereiro do ano passado, mas só foi divulgado em novembro. Conforme o documento, Filho chegou a levar o caso ao governador Gladson Cameli, que o orientou a procurar a polícia e formalizar a denúncia.

No relato feito à PF, Filho contou que teve conhecimento de que o esquema funcionava da seguinte forma: um grupo de pessoas do alto escalão do Estado, incluindo membros de todos os poderes, detinham informações privilegiadas sobre o cronograma dos pagamentos dos precatórios, bem como dos pareceres jurídicos sobre eles. Com isso, os denunciados procuravam os beneficiados pelos valores que seriam pagos pelo Estado e compravam os precatórios por valores “irrisórios”.

Pedro Resende, da Delegacia de Combate à Corrupção (Deccor) disse, em coletiva de imprensa nesta sexta, que as informações da investigação vazaram após uma mudança de instância na justiça. Sem citar nomes e detalhar a apuração, ele disse que um dos investigados tinha foro privilegiado.

A informação, segundo o denunciante, era que entre os envolvidos no esquema estavam o procurador-geral do Estado na época, João Paulo Setti; o presidente da OAB-AC à época, Erick Venâncio e outros advogados ligados a ele. Além disso, a empresa de contabilidade e assessoria empresarial da mulher de Venâncio, teria a função de receber parte dos recursos de alguns precatórios.

Na época, os dois negaram qualquer tipo de irregularidade nos procedimentos e a Procuradoria-Geral chegou a fazer uma coletiva para esclarecer que a instituição não determina pagamento de precatórios.

Ainda segundo o documento, Filho relatou se fala “abertamente” por autoridades do alto escalão que já foi negociado mais de R$ 20 milhões em precatório pelo grupo. Há ainda a informação de que pessoas foram chantageadas para a venda dos referidos créditos.

O precatório é uma forma de pagamento de condenações judiciais. O estado do Acre recebe um processo judicial, a procuradoria apresenta defesa, o processo ocorre normalmente e no final vem uma condenação do Estado. Essa condenação então vira um precatório, que é uma ordem do Tribunal de Justiça para que o Estado inclua no orçamento o valor daquela condenação para pagamento no ano seguinte.

O precatório entra numa fila, administrada pelo Tribunal de Justiça, que faz a gestão dos precatórios; destacando os que têm preferência, de acordo com o que estabelece a Constituição Federal, definindo as datas de requisição deles e a ordem cronológica dos precatórios.

13 mandados

Foi diante dessas informações que a Polícia Civil iniciou as investigações. Apesar de a denúncia ter sido registrada inicialmente na Polícia Federal, o inquérito foi passado para a Polícia Civil, porque não indicava dano direto à União.

Até o momento, nenhum servidor é apontado como investigado. O delegado Pedro Resende disse que foram expedidos 13 mandados de busca e apreensão, sendo oito em Rio Branco e cinco em Mato Grosso do Sul, nas cidades de Campo Grande e Sidrolândia.

“Os alvos desses mandados são advogados, também agentes públicos, escritórios de advocacia e empresas ligadas ou que tiveram qualquer tipo de participação na aquisição ou recebimento de precatórios. Todo o nosso trabalho passou pelo crivo do Ministério Público, que analisou nosso trabalho inicial, depois foi decidido por um juiz. A priori, foi distribuído no Tribunal de Justiça porque tinha uma pessoa com prerrogativas, mas essa pessoa perdeu o foro e foi para primeiro grau, então o nosso trabalho foi analisado por várias instâncias e a Justiça deferiu as medidas que foram cumpridas”, destacou.

O delegado destacou ainda que as investigações continuam. Foram apreendidos nessa primeira fase; documentos, celulares e computadores.

“Vamos fazer essa análise para dar uma resposta àquela denúncia que veio da PF e vamos continuar com as operações. Estamos falando de possíveis crimes contra a administração pública, organização criminosa, possível lavagem de dinheiro e são todos crimes conexos sempre com relação ao pagamento ilegal de precatórios”, destacou.

Nesta fase, participaram cinco delegados e mais de 80 policiais. Josemar Portes, delegado-geral de Polícia Civil, fez questão de destacar que a investigação está na fase inicial e que o que está sendo feito é o recolhimento de provas para que se possa avaliar o que de fato aconteceu.

“Induz culpa? Não. Induz penalidade? Não. A operação foi desencadeada para apurar, colher elementos que possam comprovar ou não o que foi apontado inicialmente. A fundamentação da Polícia Civil é comprovar ou não o crime. Por isso, desencadeamos com ordem judicial a primeira fase desta operação, que visa colher elementos que que possam comprovar o que foi alegado inicialmente ou não. Nosso trabalho não é culpar ou não culpar, mas investigar”, destacou.

OAB acompanhou

Segundo o g1, a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Acre (OAB/AC), informou que foi acionada na madrugada desta sexta pela Polícia Civil, com a informação de que se fazia necessária a presença de representantes da OAB para acompanhar o cumprimento de mandados de busca e apreensão.

“A OAB/AC destacou, para tal ocorrência, cinco advogados incumbidos de garantir a manutenção e defesa das prerrogativas dos profissionais que seriam alvo da operação policial denominada ‘Status Debitum’. Assim, todos os atos da operação foram devidamente acompanhados, como preceitua o art. 7º, § 6º do Estatuo da Ordem dos Advogados do Brasil.

A OAB destacou ainda que permanece comprometida com a defesa das prerrogativas funcionais da advocacia e a defesa da atividade profissional do advogado.

“Acompanhará o caso prestando o suporte necessário aos advogados envolvidos, zelando, imprescindivelmente, pela garantia da observância, em todos os casos, dos princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa, norteadores de nossa Carta Magna”, diz a nota assinada pelo secretário-geral da OAB, Thalles Vinícius Sales, e presidente da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB, Vanessa Pinho Paes Cavalcante.

No início da nova gestão de Rodrigo Aiache, foram criadas duas comissões que devem acompanhar de perto a condução dos precatórios no estado. São elas: Comissão da Advocacia Dativa, Coorporativa e de Acompanhamento da Ordem Cronológica de Precatórios e Comissão de Fiscalização dos Entes Públicos e Combate à Corrupção.

Mudanças na PGE

Na época que a denúncia repercutiu, o vice-governador Wherles Rocha, que estava respondendo pelo Executivo, chegou a exonerar João Paulo Setti, que estava como procurador-geral do Estado. Porém, ao retornar de viagem, o governador Gladson Cameli voltou a nomeá-lo no cargo, no dia 10 de novembro. Somente no dia 24 de dezembro, Cameli decidu exonerar Setti e informou que a decisão foi a pedido dele.

Já no dia 27 de dezembro, o governador nomeou Marcos Antônio Santiago Motta para o cargo de procurador-geral do estado.

Marcos Antônio é ex-servidor do Tribunal Regional Eleitoral do Acre e já foi presidente da Associação dos Procuradores do Estado do Acre (APEAC) e membro do conselho fiscal da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF.

Foi quando no dia 30 de dezembro do ano passado, Motta, em uma de suas primeiras decisões lotou João Paulo Setti Aguiar na Procuradoria Regional em Brasília. “Fica estabelecido o prazo de 30 dias, após o encerramento das férias concedidas ao procurador para entrar em exercício na nova localidade”, disse no decreto.

Ao g1, o ex-procurador Edmar Filho, autor da denúncia, disse que todos os pareceres da Procuradoria-Geral do Estado que envolvem recurso financeiro destinado a terceiro devem passar por auditoria.

“As instituições de investigação do estado, do poder público, têm que tomar providência o mais rápido possível. Sugiro que se faça um levantamento de todos os pareceres emitidos pela Procuradoria Geral, que envolvam recursos financeiros, para ver quem receber e porque recebeu. Lamentavelmente, a PGE precisa ser passada a limpo para a gente passar a acreditar”, disse o ex-procurador.

Em nova nota, nesta sexta, Setti voltou a afirmar que não participou de não conhecimento de nenhum esquema de pagamento indevido de precatórios. “Tenho a plena convicção de que o poder público não foi lesado. Conforme coletiva para a imprensa realizada no dia 05/11/2021 reafirmo não haver qualquer indício de irregularidade no repasse de recursos para o Poder Judiciário para o pagamento de precatórios. Acredito na justiça e estou à disposição para quaisquer esclarecimentos exigidos pelas autoridades constitucionalmente estabelecidas”, destacou.

Ele informou ainda que uma das motivações para o pedido de exoneração feito pela ex-secretária da Fazenda do Estado do Acre, Semírames Dias, foi por não concordar com os pagamentos dos precatórios.

Em nota, o ex-presidente da OAB na época disse que assim que teve conhecimento das denúncias e de que o ex-procurador estaria divulgando a situação, entrou com uma queixa-crime contra ele por calúnia, difamação e denunciação caluniosa. Venâncio informou que a aquisição de precatórios são negócios jurídicos lícitos e que não existe sigilo sobre a programação de pagamento de precatórios.

Fonte: G1

 

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