De acordo com a 2ª Vara do Trabalho de Três Lagoas, os trabalhadores da usina Jupiá disseram, em depoimento à polícia, que tinham uso ao banheiro restrito.
A 2ª Vara do Trabalho de Três Lagoas condenou em R$ 500 mil empresas chinesa e subsidiárias no Brasil por assédio moral e discriminação contra trabalhadores brasileiros, na Usina Hidrelétrica Engenheiro Souza Dias, conhecida como Usina Jupiá, em Três Lagoas (MS). A decisão foi divulgada nesta quinta-feira (16).
A decisão reconheceu os crimes praticados contra mais de 20 trabalhadores, que atuavam, na maioria, como ajudante de obra no canteiro da usina. Na sentença, a juíza do trabalho Vivian Letícia de Oliveira descreve relatos em que trabalhadores tinham o uso ao banheiro limitado.
“As provas colhidas no curso da instrução processual corroboram os fatos narrados na inicial, não tendo a parte ré PowerChina promovido a urbanidade e respeito mínimos que devem permear o ambiente saudável de trabalho, tendo as testemunhas confirmado o tratamento humilhante sofrido durante a vigência contratual. Relataram, ainda, situações de restrição ao uso de banheiros, pela limitação do tempo que era cronometrado, com repreensões em frente a outros funcionários se o tempo fosse ‘longo’ aos olhos dos gestores chineses”, detalhou a juíza na sentença.
A PowerChina Brasil é uma das empresas contratadas pela Rio Paraná Energia S.A., subsidiária da China Three Gorges Brasil Energia Ltda., para prestar serviços na usina em Três Lagoas. As três empresas foram condenadas a pagar a indenização.
Além do pagamento da indenização, a PowerChina Brasil foi condenada a cumprir várias obrigações, como afastamento de todos os envolvidos em atos de assédio moral e discriminação. Caso descumpra a ordem, a empresa deverá pagar multa de R$ 10 mil por cada infrator mantido no emprego.
A empresa também foi obrigada a “impedir que superiores hierárquicos utilizem práticas vexatórias ou humilhantes contra os trabalhadores, por motivo de religião, origem, raça, cor, sexo, estado civil, situação familiar, doença ou qualquer outro motivo discriminatório, sob pena de multa de R$ 10 mil por cada trabalhador prejudicado”.
As três empresas também devem promover um diagnóstico do meio ambiente psicossocial do trabalho, instituir um canal de denúncias e uma comissão para investigar possíveis casos de assédio moral e abuso de poder nas instituições e desenvolver campanhas de combate ao assédio moral no trabalho.
Caso não cumpram as ordens judiciais, deverão pagar multa de R$ 50 mil para cada obrigação descumprida.
Histórico de denúncias
A decisão da 2ª Vara do Trabalho de Três Lagoas veio após uma série de denúncias nos últimos anos junto ao Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul (MPT-MS).
Em 2019, o MPT-MS tomou conhecimento de denúncias de assédio moral e discriminação contra trabalhadores brasileiros da empresa.
Em depoimento, o autor da denúncia disse ter visto os trabalhadores serem “chamados de preguiçosos e ladrões, além de sofrerem maus tratos, desrespeito verbal, racismo e inclusive agressões físicas”. Ex-funcionários foram ouvidos e confirmaram as agressões ao MPT-MS.
No ano seguinte, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (SINTIESPAV-MS) informou ao MPT descumprimentos de normas trabalhistas e outros casos de assédio moral nas obras da barragem de Jupiá.
O Ministério solicitou então à Superintendência Regional do Trabalho que fizesse uma inspeção no canteiro de obras em Três Lagoas. No local, foi aplicado um questionário aos trabalhadores, onde a maioria afirmou ter sofrido tratamento diferenciado por ser brasileiro ou presenciado agressões físicas, maus tratos e casos de discriminação racial, aponta o MPT-MS.
De acordo com o Ministério do Trabalho, quando souberam das denúncias contra a PowerChina Brasil, as empresas Rio Paraná e China Three comunicaram que “solicitaram diversas providências às empresas terceirizadas, bem como bloquearam o acesso das pessoas investigadas nas denúncias ao canteiro de obras, até a apuração dos fatos, dentre outras medidas”.
Em julho de 2021, o MPT-MS afirma ter proposto um Termo de Ajustamento de Conduta à empresa PowerChina Brasil. “Porém a empresa se manifestou no sentido de que não exista interesse na formalização do acordo por entender que já estava cumprindo com as obrigações relacionadas a assédio moral e discriminação, que iria suspender suas atividades no Brasil até outubro daquele ano – com desmobilização total de seus 102 funcionários – e por questões financeiras”, detalha o Ministério.
“Restou apurado pelo MPT que a empresa PowerChina e suas tomadoras de serviço permitiram e foram coniventes com uma estrutura organizacional e de gestão amparada em assédio moral, agressão física e verbal e coação com base na origem, raça e cor, praticada por supervisores chineses em desfavor de empregados brasileiros”, pontua a procuradora do Trabalho Claudia Fernanda Noriler Silva.
O g1 procurou as empresas PowerChina Brasil, Rio Paraná Energia S.A. e China Three Gorges Brasil Energia Ltda., mas até a publicação desta matéria não obteve retorno.
Fonte: G1MS