“A guerra e o ódio devem ser desarmados.”
(Papa Francisco, na visita à República Centro-Africana em 2015)
* Marcos Henrique Prudêncio da Silva
O tema de estreia desta coluna não seria este, trataria de outro assunto. Contudo, como ignorar a morte (e vida) de um homem que no posto de Papa, influenciou tanto o mundo e especialmente a geopolítica? Humberto Gessinger, em 1990, cantou em relação ao Papa João Paulo II (hoje São João Paulo II), que “[…] o Papa é pop, o Papa é pop, o pop não poupa ninguém”, para se referir ao atentado que quase matou o Santo Padre, mas também sobre seu caráter “populista”, hoje, 2025, retomo a letra do músico gaúcho para dizer que, sim, o “Papa é pop”! Sim, caros leitores, Papa Francisco (1936-2025) é, talvez, o Papa que popularizou mais ainda o cristianismo católico pelo mundo, influenciando e muito a geopolítica entre os países.
O diálogo, marcou o seu papado. Esta palavra tão simples e feita de sete letras (sete é o número da perfeição para os católicos, um sinal?), vem do latim “diálogos”, a junção de “dia” que significa através e “logos” razão, ou seja, “através da razão”, e foi assim que este homem santo, buscou reconciliar países e pessoas, ao invés de armas e estratégias minuciosas da arte da guerra. Fez uma diplomacia silenciosa, mas deu voz e vez a crises antes ignoradas com gestos marcantes.
O Sumo Pontífice esteve presente em 60 países, em 2014 chegou à Israel e na Palestina, em meio ao conflito (milenar) entre os dois países, rezou no Muro das Lamentações (já demonstrando aqui um pouco de sua capacidade de relação com a religião do outro), e também passou no Campo de Refugiados palestinos de Dheisheh; foi o primeiro Papa da história a visitar uma zona de guerra ativa na República Centro-Africana em 2015; Ajudou a reaproximar EUA e Cuba, abrindo o Vaticano para negociações secretas entre os dois países que duraram 18 meses, culminando com o presidente Obama indo à Cuba em 2016; Discursou na Universidade de Al-Azhar (Egito, 2017- centro do Islã Sunita) pedindo o fim do terrorismo em nome de Deus; Foi o primeiro Papa a ir ao Iraque (2021), visitando cidades destruídas pelo Estado Islâmico (ISIS), como Mosul e Qaraqosh e encontrando o Aytolllah Ali al-Sistani (líder Xiita); e por fim, cito a visita mais marcante para este colunista, a viagem ao Sudão do Sul em 2023, nela Francisco, reuniu líderes cristãos de crenças distintas pela primeira vez em uma viagem conjunta, o Arcebispo Justin Welby (Igreja Anglicana) e a Iain Greenshields (Moderador da Igreja da Escócia, presbiterianos), em um país majoritariamente cristão (60% da população sul-sudanesa), que está em guerra desde 2013 com mais de 4 milhões de deslocados internos, uma guerra ignorada pela mídia mundial, foi palco deste encontro em busca de paz.
Foi neste local que Vossa Santidade, Papa Francisco, beijou os pés dos líderes sul-sudaneses implorando pela paz, pedindo pela manutenção do cessar-fogo; foi ao campo de refugiados onde ouviu mulheres estupradas e crianças soldado; lavou e beijou os pés de 12 refugiados como um gesto de humildade e reconciliação. Todavia, um fato ainda merece destaque, ele, o Papa, entregou uma enxada para os políticos do país, dizendo “Trabalhem pela paz, assim como os camponeses trabalham a terra”.
A diplomacia deste homem merece o espaço desta coluna, num mundo onde barreiras se erguem a cada dia, com a intenção de isolar o outro e beneficiar apenas a si mesmo, numa retórica egoísta velada de nacionalismo e proteção dos seus, o estar com o outro, a “Igreja em saída”, o “Pastor com cheiro das ovelhas”, o Pontífice se fez ponte, propôs o diálogo e não as armas, mostrou que o bem do próximo é o bem de si mesmo. A alteridade nunca teve uma manifestação tão física, o conceito virou carne, e esteve no meio de nós, humilde e dócil, firme e laborioso. Papa Francisco, deixa um legado que é um lembrete aos teóricos da geopolítica e das relações internacionais, a melhor guerra é a que não acontece, o diálogo, por meio da razão é a verdade, o caminho e a vida.
* Marcos Henrique Prudêncio da Silva é geógrafo, mestre pela UFMS, graduando em Filosofia pela Uninter e experiente educador com atuação em Três Lagoas e Andradina. Prudêncio trará para nossas páginas análises profundas sobre geopolítica, geoeconomia, desenvolvimento regional e filosofia.
PS: Todos os Papas desde Paulo VI (papado de 1963-1978) fizeram visitas regulares à países em busca de diálogo e paz, mas Papa Francisco, o argentino, deu um novo significado as visitas.