Trabalhar é preciso, mas viver é mais

* Marcos Henrique Prudêncio da Silva 

O nobre poeta Fernando Pessoa (1888-1935), disse: “Navegar é preciso. Viver não é preciso.” para nos mostrar a incerteza da vida e – é claro – utilizar os dois sentidos do termo “preciso”. Mas, aqui o parafraseio para exprimir um pensamento: “Trabalhar é preciso, mas viver é mais”. No mundo capitalista atual a tecnologia alcançou níveis antes sonhados apenas na ficção científica, e parece que a vida imitou a arte. Falamos e uma inteligência artificial nos responde e executa ações; fazemos um download de um aplicativo e temos comida na porta de casa ou um transporte para qualquer lugar (obviamente se pudermos pagar por isso). E no ápice do momento temos as “indústrias escuras” (dark factories), fábricas que funcionam sem luz, sem funcionários, apenas o trabalho morto das máquinas habita este ecossistema frio e sombrio.

E é nesta última realidade que este texto pretende filosofar e despertar indagações nos leitores. Se as unidades fabris estão cheias de algoritmos personificados em aço e fiações mecânicas, onde estão aqueles que fazem o trabalho vivo? Qual o local foi reservado aos que mantêm a riqueza, a produção real sendo gerada? “Onde está o teu irmão, ó, inteligência artificial?” Como vivem os filhos de Adão que deveriam comer do suor do seu rosto?

Um dos pais do capitalismo moderno, Adam Smith no livro A Riqueza das Nações (1776) menciona que “o trabalho foi o primeiro preço, a moeda original com que todas as coisas foram pagas.” Seguindo essa afirmação do economista liberal, fica a inquietação: Sem o trabalho com o que as coisas serão pagas? Os trabalhadores são a grande massa consumidora do mundo, e o mesmo Smith afirma que “o consumo é única finalidade e o único propósito de toda produção”, logo, quem consumirá a mercadoria da escuridão do capitalismo atual? A minoria dos super ricos? Os trabalhadores sem salários? Ou os trabalhadores extenuados de tanto labutar?

Reside aí mais uma contradição que o próprio sistema gera em tempo de tecnologias avançadíssimas: Por que ainda trabalhamos tanto e pelo mesmo salário se já temos imenso desenvolvimento tecnológico? Como aceitar uma jornada laboral de 44 horas semanais num mundo de nanorrobôs e testes de colonização espacial? O Brasil, começa a debater mais seriamente o fim da escala 6×1 (seis dias trabalhados por um dia de descanso), e isto urge para saúde da população.

Os avanços científicos não estão dispostos igualmente sobre o planeta, isto é fato. Porém, mesmo não sendo a nação mais rica do planeta, o Brasil, enquanto Estado, possui ferramentas (políticas e econômicas) de exercer seu real intento, defender o povo, servir ao povo, e dar uma vida melhor aos milhares de cidadãos deste território.

A onda de substituição de mão de obra humana por máquinas já chegou ao país, não é uma questão de “se”, mas de “quando” teremos a maior parte de trabalhos substituídos pela robotização. E o que faremos com a miríade de desempregados? Se a tecnologia foi modernizada é preciso modernizar a escala de trabalho, pois esta é uma tripla solução: emprego, consumo e vivência. Com mais rotatividade de serviço devido a escala reduzida, mais emprego, logo, mais salário. E uma vivência maior enseja um consumo maior. Afinal, quem não consome mais quando está de folga ou férias?

A França aprovou em 2000 a jornada de 35 horas semanais. Na Holanda, 29 horas semanais> A Alemanha possui entre 34 horas e 35 horas semanais. Reino Unido, Japão, Bélgica, Nova Zelândia, e Suécia possuem testes de redução parcial da carga ou quatro dias de expediente. Algumas (poucas) empresas brasileiras iniciaram em 2024 o teste com redução de tempo laboral. Não poderia, o Estado brasileiro (Ministério do Trabalho, Câmara dos Deputados, e Senado), exercer seu poder de gerenciador do território e convocar os representantes patronais e sindicais para pensar em uma solução ao povo padecente de Síndrome do esgotamento profissional (Burnout)? – segundo a Agência Brasil, o número de afastamento por este motivo quadruplicou entre 2020 e 2023!

Desde o início da Revolução Industrial, já haviam problemas ligados ao tempo gasto nas fábricas pelos operários, e foi o Papa Leão XIII na encíclica Rerum Novarum (1891) que iniciou a discussão sobre a justiça nas relações entre patrões e operários, criticando tanto o socialismo quando o capitalismo radical. Cito um trecho importante de tal documento que influenciou e muito vários países: “Não se deve impor ao operário um trabalho maior que as suas forças permitam, nem por uma duração inadequada ao seu tempo. A medida do trabalho não pode ser determinada apenas pela vontade dos patrões, mas deve respeitar a dignidade humana e as necessidades físicas e morais do trabalhador.” Desta feita, o Estado Papal é mais prático e cirúrgico em relação a causa trabalhista do que os ditos Estados Modernos.

Por tudo isto, há verdade nas duas orações, “Trabalhar é preciso, mas viver é mais!”. Trabalhamos muito para comprar produtos feitos por máquinas, assim damos sentido a existência das máquinas enquanto a nossa existência vai escorrendo entre os dedos na liquidez da pós-modernidade. Ora, a nossa lógica está invertida! Não somos nós que precisamos viver para que as máquinas existam, são elas que precisam existir para nós vivamos! A vida não pode imitar a arte (pelo menos neste exemplo) e ser drenada pelas máquinas bem como em The Matrix (1999), é preciso viver e viver em abundância.

* Marcos Henrique Prudêncio da Silva é geógrafo, mestre pela UFMS, graduando em Filosofia pela Uninter e experiente educador com atuação em Três Lagoas e Andradina. Prudêncio trará para nossas páginas análises profundas sobre geopolítica, geoeconomia, desenvolvimento regional e filosofia.

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Edição 255