* Marcos Henrique Prudêncio da Silva
Na era colonial a dominação do povo explorado passava pela brutalidade do belicismo (guerras, mortes, violência sexual) e da desgraça da escravidão, em tempos de pós-globalização, o colonialismo assume o formato digital. Ao invés de metrópoles, big tech’s (grandes empresas digitais), a apropriação do território (enquanto recursos naturais) dá lugar ao colonialismo das apostas, eficaz na psique humana já voltada por natureza ao jogo.
A ânsia por competição foi estudada por Johan Huizinga (1872-1945), filósofo, e este escreveu: “O jogo é uma interrupção voluntária da realidade.” Para ele o jogo, a ludicidade são intrínsecos ao ser humano, ávidos por disputas realizamos no jogo a fuga da condição atual para uma conjuntura diferente, buscando felicidade.
E em um mundo dataísta, obcecado pelos dados cedidos voluntariamente nas redes sociais (um “Show de Truman” às avessas), discernir entre os diversos humanos que possuem capacidade para aliciar novos jogadores não é uma tarefa difícil – ouso dizer que se é possível encontrar tantos dados das pessoas em redes sociais a ponto de traçar perfis psicológicos, não seria possível direcionar a propaganda destas casas de apostas virtuais a quem já demonstra uma suscetibilidade ao jogo de azar? Os chamados influencers são os porta-bandeiras destes colonizadores informacionais, utilizam de sua dominação carismática para as big tech’s das apostas fincarem seus grilhões nas mentes dos brasileiros e assim drenarem suas riquezas.
Os tipos de jogos de azar são múltiplos na rede, Fortune Tigger (o famoso Tigrinho), Spaceman, Aviator, e entre outros, estes prometem grandes riquezas cintilantes aos player’s, porém em seu próprio site, o “Tigrinho”, afirma que apenas 96% das apostas retornam (talvez, pois a recompensa é distribuída aleatoriamente) aos jogadores no longo prazo, sendo bondoso se forem apostados 100 reais, 96 reais voltam, o que falta é lucro. Nunca é possível ganhar mais do que se apostou! O foco é este: viciar quem aposta para rapinar o dinheiro.
É importante espacializar a questão para entender a rota de drenagem monetária, empresas elaboradoras destes jogos possuem sede (ao menos no que reportam, pois por vezes mantém contas em paraísos fiscais, como Malta, Chipe e Curaçao) em Malta (Pragmatic Play – Jogos: Fortune Tiger, Gates of Olympus; PG Soft – Jogo: Fortune Tigger e Spaceman), na Geórgia (Spribe – Jogo: Aviator), e na Suécia (Evolution Gaming – Jogos: Roleta Ao Vivo, Crazy Time). Elas possuem mais plataformas de apostas do que as mencionadas, essas são as mais famosas. Apesar da localização os jogos possuem certificados e licenças quase que globais, seus rizomas (raízes) se espalham ferozmente sobre o globo buscando a que conta corrente esgotar.
Pelos dados, somente no Brasil o jogo: Aviator movimenta aproximadamente 1 bilhão de reais ao ano, o “Tigrinho” 300 a 500 milhões de reais, o Spaceman de 200 a 300 milhões de reais. Quantas vidas são vampirizadas para essa riqueza escorrer de nosso território aos locais já citados? Realmente, não chegam perto dos 100 trilhões de reais estimados que Portugal roubou do Brasil durante a colonização, todavia, permitiremos mais uma ladroagem?
Pelo nosso congresso, senado e presidente, sim, visto a aprovação da lei 14.790 em 2023, ratificadora dos caça-níquel para celular. Um país já surrupiado no passado agora aceita uma dominação exploratória informacional, mesmo que contraditoriamente casas de apostas físicas (cassinos) sejam proibidas no Brasil (decreto-lei nº 9.215, de 30 de abril de 1946). Ora, o país aceita então que o chamado cyber território seja realmente um território além do físico, ou seja, na realidade virtual tudo pode? É errôneo, é a-geográfico crer no mundo virtual como um local à parte da base física, legislar de modo diferente para o físico e cibernético é possuir dois pesos e duas medidas.
Huizinga, veria hoje seu homo ludens (homem que joga) convertido pela psicopolítica (termo cunhado pelo filósofo Byung-Chul Han para designar a forma da política atuar nas mentes, especialmente através das redes sociais) coisificado em um território a ser colonizado e ter seus recursos vitais transferidos para além-mar. O jogo deixa o seu caráter cultural e se rende aos ditames do capitalismo neoliberal, sem Estado para a proteção, cidadãos são prezas fáceis a voracidade das plataformas, e principalmente dos bandeirantes digitais, os ditos influencers (sem ética, sem moral, sacerdotes da ruína, agentes parasitários da lástima alheia!).
A ganância intrínseca ao ser humano é cooptada pele colonialismo de apostas e levada ao extremo na vida de milhares. Nosso país vive uma epidemia de bet’s (apostas), segundo o Banco Central, só em janeiro 24 milhões de brasileiros fizeram um “pixzinho” para alguma casa de apostas. Os mesmos dados denunciam que o jogo é maior entre os jovens de 20 a 30 anos (trabalhadores, apostando a compensação de seus suores). Huizinga estava certo, a busca pelo outro universo por meio do jogo, levou o brasileiro à distopia, à ilusão da riqueza fácil.
O rei Midas, na mitologia grega, queria que seu toque fizesse tudo ser ouro, e o deus Dionísio o concebeu a graça, cada coisa ou pessoa tangida por suas mãos foi transformada em ouro, sua comida, sua casa, e sua família. Midas perdeu a paz, o desejo virou maldição. O mito acima carrega em si o fim da ganância: solidão e penúria. Destarte, de homo ludens, os brasileiros, amantes do futebol, do vôlei, do basquete, dos esportes, dos jogos, são transmutados em homo midas, fadados ao fracasso.
* Marcos Henrique Prudêncio da Silva é geógrafo, mestre pela UFMS, graduando em Filosofia pela Uninter e experiente educador com atuação em Três Lagoas e Andradina. Prudêncio trará para nossas páginas análises profundas sobre geopolítica, geoeconomia, desenvolvimento regional e filosofia.