Escritório de filha de desembargador e esposa de deputado recebeu contrato suspeito de R$ 300 mil da Câmara de Campo Grande

Investigação revela que escritório contratado sem licitação tem laços com investigados por corrupção no TJMS e recebeu repasses suspeitos de prefeituras

Thais Dias

O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) emitiu uma recomendação formal à Câmara Municipal de Campo Grande para a imediata revogação de um contrato de assessoria jurídica no valor de R$ 300 mil, celebrado sem licitação com o escritório Bastos, Claro & Duailibi Advogados Associados. A medida, assinada pelo promotor de Justiça Humberto Lapa Ferri, da 31ª Promotoria do Patrimônio Público, aponta uma série de irregularidades que configuram possível violação aos princípios constitucionais da administração pública, incluindo legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.

O contrato em questão, registrado sob o número 004/2025, foi firmado em 24 de março deste ano, com vigência de 12 meses, para prestação de serviços de assessoria jurídica especializada em licitações, contratos administrativos e processos junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-MS). O valor anual de R$ 300 mil, equivalente a R$ 25 mil mensais, representa um aumento de 100% em relação ao contrato anterior, que previa pagamento de R$ 150 mil anuais (R$ 12,5 mil mensais) entre 2022 e 2024.

O MPMS sustenta que a contratação direta, feita sob alegação de inexigibilidade de licitação, não se justifica, uma vez que os serviços objeto do contrato são de natureza rotineira e poderiam perfeitamente ser executados pelos procuradores já lotados na Procuradoria Geral da Câmara Municipal, que conta com cinco advogados concursados. A justificativa apresentada pela Casa – de que haveria uma “crescente sobrecarga do corpo administrativo e jurídico” – foi considerada genérica e insuficiente para afastar a obrigatoriedade de licitação, conforme entendimento consolidado pelo Tribunal de Contas da União e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O caso ganha contornos ainda mais graves devido ao perfil dos sócios do escritório beneficiado pela contratação. A advogada Camila Cavalcante Bastos é filha do desembargador Alexandre Bastos, atualmente afastado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul no âmbito da Operação Ultima Ratio, da Polícia Federal, que investiga um suposto esquema de venda de sentenças. A outra sócia, Kátia Regina Bernardo Claro, é esposa do deputado estadual Gerson Claro, atual presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul.

Documentos obtidos pelo MPMS revelam que o escritório já foi alvo de investigações por movimentações financeiras atípicas. Relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) apontam que a empresa teria recebido valores superiores à sua capacidade financeira aparente, com destaque para repasses de diversas prefeituras do estado. Em um dos casos mais emblemáticos, o desembargador Alexandre Bastos teria atuado como relator em processos envolvendo municípios que mantinham contratos com o escritório de sua filha, configurando claro conflito de interesses.

A recomendação do MPMS destaca ainda que a contratação direta de escritórios de advocacia para serviços que deveriam ser prestados por procuradores públicos constitui ofensa ao princípio do concurso público e à isonomia entre os profissionais do Direito. O documento estabelece prazo de 10 dias para que o presidente da Câmara, vereador Papy (PSDB), comunique o acatamento ou não da medida. Em caso de descumprimento, o Ministério Público adotará as medidas judiciais cabíveis, incluindo a propositura de ação civil pública por ato de improbidade administrativa.

Cópias da recomendação foram encaminhadas à Corregedoria-Geral do MPMS, ao Tribunal de Contas do Estado e ao Conselho Nacional do Ministério Público, o que demonstra a gravidade com que a instituição trata o caso. Paralelamente, as informações foram remetidas à força-tarefa da Operação Ultima Ratio, que poderá incluir os novos elementos em suas investigações sobre o suposto esquema de corrupção no Judiciário sul-mato-grossense.

Este caso exemplifica os riscos da chamada “terceirização do jurídico” no serviço público, prática que vem sendo duramente combatida pelos órgãos de controle. A contratação de escritórios particulares para funções típicas de Estado, além de onerar os cofres públicos, fragiliza o sistema de freios e contrapesos ao criar vínculos obscuros entre o poder público e interesses privados.

A sociedade aguarda agora o posicionamento da Câmara Municipal de Campo Grande, que terá de decidir entre acatar a recomendação do MPMS e rescindir o contrato ou manter-se na contramão da legalidade, arriscando-se a responder por graves infrações administrativas. Independentemente da decisão, o caso já deixou claro a necessidade de maior transparência e controle nas contratações do Legislativo municipal.

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Edição 258