O jornalista americano Michael Shellenberger publicou nesta segunda-feira (4) um “dossiê” em que aponta que o STF (Supremo Tribunal Federal) criou uma força-tarefa ilegal para prender os manifestantes pró-Bolsonaro durante os atos de 8 de janeiro de 2023. A reportagem é assinada pelos jornalistas David Ágape e Eli Vieira.
Os supostos documentos oficiais e conversas de WhatsApp demonstram que o ministro Alexandre de Moraes criou um protocolo interno para investigar os perfis de redes sociais dos envolvidos nos ataques em Brasília para justificar a realização das prisões. A operação seria coordenada por meio de um grupo no WhatsApp composto por servidores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do STF, entre eles o ex-assessor de Moraes Eduardo Tagliaferro.
Os prints de WhatsApp que foram divulgados na reportagem mostram uma conversa entre Cristina Yukiko Kusahara, então chefe de gabinete do ministro Alexandre de Moraes, e Tagliaferro.
Em um dos diálogos, Cristina argumenta que a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu liberdade provisória para presos preventivos, mas que o ministro (Alexandre de Moraes) não queria soltar antes de ver as redes sociais deles.
O grupo em que as conversas aconteceriam teria sido desativado no dia 1º de março de 2023, quando o juiz Airton Vieira enviou “Despeço-me aqui, singelamente […] que nas audiências de custódia possamos dar a cada um o que lhe é de direito: a prisão”. O material jornalístico pondera a má conduta do magistrado, já que ele atuou como assessor judicial de Moraes no STF durante as audiências de custódia dos envolvidos nos atos de 8 de janeiro.
“Certidões” com base em postagens de rede social
De acordo com a apuração, a força-tarefa funcionava com base em “certidões” informais geradas inclusive a partir de comentários nas redes sociais, que poderiam ser suficientes para rotular alguém com uma “certidão positiva”, classificação que ajudava a manter a pessoa presa. Essas certidões, segundo consta, nunca foram compartilhadas com advogados de defesa nem analisadas por promotores.
A operação chegou a recrutar colaboradores externos, incluindo ativistas políticos, universidades e agências de verificação de fatos, para se infiltrar em grupos de bate-papo privados. Segundo a apuração, Moraes autorizava essas ações através de e-mails enviados para sua conta pessoal, evitando canais institucionais.
A coordenação da força-tarefa teria ficado a cargo de Cristina Yukiko Kusahara, chefe de gabinete de Moraes no STF, que criou e administrou o grupo do WhatsApp. Eduardo Tagliaferro, então chefe da Unidade Especial de Combate à Desinformação do TSE, foi quem denunciou as ordens secretas via WhatsApp para elaborar relatórios de alvos pré-selecionados.
As mensagens mostram, segundo a apuração, que o ritmo de análise das informações era frenético e, até certa forma, improvisado. As certidões eram emitidas, retiradas e reemitidas em questão de minutos, muitas vezes sem motivo aparente.
As mensagens mostram funcionários recebendo listas informais de detidos diretamente da polícia, incluindo nomes, fotos e números de identidade, sem cadeia de custódia formal. Em um áudio, um policial federal pediu confidencialidade porque os dados eram “muito procurados”, apontando que o material estava sendo compartilhado fora dos canais legais.
Prisões
Após associar um nome a um rosto, a equipe vasculhava plataformas de mídia social buscando postagens que pudessem ser interpretadas como “antidemocráticas”. Os critérios variavam caso a caso, incluindo compartilhar publicações sobre os protestos, criticar o STF ou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), participar de grupos no Telegram ou WhatsApp, retuitar conteúdo rotulado como “desinformação”, menções em reportagens ou denúncias anônimas online.
Cada certidão baseava-se em pesquisas rápidas no Facebook, Instagram, Twitter, TikTok, YouTube, Telegram e Gettr. Se algum conteúdo fosse encontrado, o detido recebia “certidão positiva”. As principais fontes para justificar os rótulos eram notícias e perfis anônimos no Twitter, frequentemente sem verificação de autoria ou contexto.
Essa classificação era suficiente para justificar a detenção, independentemente de antecedentes criminais, comportamento violento ou presença dentro de prédios governamentais.
Entre os exemplos citados na apuração está o de um caminhoneiro denunciado por postagens no Facebook que criticavam Lula e questionavam as eleições de 2022. Ele não estava nos atos de vandalismo do dia 8 de janeiro de 2023, apenas no acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército, onde foi preso no dia seguinte e acusado pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito – ele passou 11 meses e 7 dias preso.
Outro homem foi preso por uma única postagem no Instagram que dizia: “Fazer cumprir a Constituição não é golpe”. Outro, um vendedor ambulante de 54 anos, nem sequer participou dos atos e chegou apenas à noite ao acampamento para vender bandeiras e camisetas, mas também foi detido.
Em uma mensagem, Cristina Kusahara reconheceu que a Procuradoria-Geral da República (PGR) havia recomendado a libertação de um grupo de detidos. Mesmo assim, Moraes recusou-se a soltá-los até que sua equipe terminasse de examinar suas redes sociais.
“A PGR pediu a LP (liberdade provisória) deles, mas o ministro não quer soltar sem antes a gente ver nas redes se tem alguma coisa”, escreveu.
Com CNN Brasil e Gazeta do Povo