Como o calor extremo está moldando as relações de trabalho em MS

Reflexos das mudanças climáticas chegam aos tribunais, ao MPT e à indústria, forçando uma reavaliação das normas de saúde e segurança no estado

 

Enquanto o governo federal discute a modernização da NR-15, norma que estabelece limites para exposição ao calor, os impactos das mudanças climáticas já são uma realidade concreta no mercado de trabalho de Mato Grosso do Sul. Nos últimos cinco anos, apenas na Justiça do Trabalho, foram registradas 70 ações movidas por empregados que buscam o adicional de insalubridade por trabalhar sob o sol forte, um reflexo jurídico de um problema que avança a olhos vistos.

Esse cenário tem mobilizado duas frentes principais: a Justiça e o Ministério Público do Trabalho (MPT), que intensificam a pressão por direitos e condições dignas, e a indústria, que corre para desenvolver soluções tecnológicas inovadoras para proteger quem não tem escolha a não ser enfrentar as intempéries.

A Resposta da Justiça e a Pressão por Direitos

A magistrada Hella de Fátima Maeda defende que fornecer equipamentos adequados deixou de ser um benefício e se tornou um direito estratégico. “As mudanças climáticas são uma realidade incontestável e impactam as relações de trabalho em sua totalidade. Contudo, esses efeitos se manifestam de maneira desigual, atingindo com maior severidade os trabalhadores em situação de precariedade”, afirma.

O MPT em MS já notificou mais de100 empregadores dos setores de construção civil, agroindústria e limpeza urbana, considerados os mais vulneráveis. De acordo com a procuradora Claudia Noriler, as recomendações incluem a revisão de programas de saúde e segurança, a medição de calor em períodos críticos e o ajuste de horários para evitar a exposição nos momentos mais quentes.

“Enviamos orientações para que implementem pausas em locais climatizados – contabilizadas como jornada –, ofereçam água potável e isotônicos, além de disponibilizarem EPIs adaptados, como chapéus, protetor solar e roupas adequadas”, explica Noriler.

Na linha de frente da adaptação, a indústria têxtil local responde com criatividade e tecnologia. Em Dourados, a Arte Camiseteria, do empresário Gilson Kleber Lomba, 56 anos, é um exemplo. Há quase três décadas aplicando princípios de ESG, a empresa produz uniformes com foco em sustentabilidade e proteção.

“A sensação de calor hoje é muito maior do que no passado. O uniforme acompanha a vida do trabalhador em pelo menos um terço do dia, por isso precisa garantir saúde e bem-estar”, defende Lomba.

Entre as novidades está uma camisa desenvolvida para trabalhadores rurais, inspirada em modelos de pescadores. Fabricada em poliamida de baixa gramatura, o tecido é leve, possui toque gelado e proteção UV incorporada ao fio. O protótipo ainda conta com amarração nas mangas, aberturas laterais e telado interno para melhorar a ventilação e facilitar a transpiração.

“Um trabalhador confortável, percebendo que a empresa se preocupa com ele, é um fator que melhora o desempenho no trabalho e tem uma repercussão muito positiva na imagem da empresa”, completa o empresário.

A Realidade no Canteiro de Obras

Quem vive na pele os extremos climáticos é o assistente de logística Almir Danta Tiago, 34 anos, que trabalha nas obras da construtora Plaenge, em Campo Grande. Ele enfrenta sol intenso e ventos secos, alternando entre manhãs frias e tardes escaldantes.

“Ter acesso a EPIs e uniformes adequados é um investimento essencial. Garante mais segurança, saúde e qualidade no trabalho. Sei que seremos prejudicados futuramente caso não haja mudanças no cuidado com o planeta. Essas iniciativas fazem toda a diferença”, relata.

Na empresa, a proteção inclui uniformes de manga comprida, toucas árabes, óculos com filtro UV e protetor solar. A hidratação é prioridade, com bebedouros a cada cinco pavimentos e pausas programadas nos horários de pico de calor.

Para além das soluções imediatas, a discussão avança para o médio e longo prazo. Robson Del Casale, diretor de sustentabilidade da Fiems (Federação das Indústrias de MS), aponta a robotização e a automação como tendências inevitáveis para reduzir riscos e esforço físico em funções críticas.

“A gente começou a discutir inteligência artificial, robotização e automação. Não é sobre tirar emprego, mas eliminar funções pesadas, difíceis e que muitas vezes não têm mão de obra disponível. É pensar a indústria com outro olhar”, afirma.

O avanço da tecnologia, somado à pressão judicial e à fiscalização, coloca Mato Grosso do Sul como um verdadeiro laboratório de adaptação às novas realidades climáticas no ambiente de trabalho, sinalizando um futuro onde o bem-estar do trabalhador e a produtividade precisam andar lado a lado.

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Edição 261