MP investiga falhas na Delegacia da Mulher de Campo Grande após casos de feminicídio com histórico de denúncia

Relatos apontam recusa de provas, liberação de agressores presos em flagrante e descompasso entre avaliação de risco e decisões policiais; corregedoria da Polícia Civil instaurou procedimentos

 

Um cenário de supostas falhas reiteradas no atendimento da DEAM (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) de Campo Grande está sob investigação do Gacep (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial), do Ministério Público de Mato Grosso do Sul. Dois casos recentes de feminicídio – o da jornalista Vanessa Ricarte, em fevereiro, e o de Ivone Barbosa da Costa Nantes, 40 anos, em abril – chamaram atenção para uma dinâmica que teria se repetido: ambas as vítimas haviam procurado a delegacia, mas os agressores, mesmo com histórico de violência e medidas protetivas, foram liberados.

Ivone foi assassinada pelo companheiro, Wilton de Jesus Costa, em 13 de abril, apenas cinco dias após ter registrado um boletim de ocorrência contra ele. Na ocasião, o homem foi levado algemado pela Polícia Militar à DEAM, mas foi liberado pela autoridade policial plantonista. Dois meses antes, em 12 de fevereiro, Vanessa Ricarte foi morta no dia seguinte ao que procurou a delegacia. Seu agressor também tinha medidas protetivas anteriores e foi solto.

O promotor Douglas Oldegardo Cavalheiro dos Santos, responsável pela investigação, destacou em documento que, no caso de Ivone, “em vez de dar azo à efetivação da prisão, a autoridade policial caminhou em sentido absolutamente diverso”. Ele ressaltou que, mesmo com todos os indicadores de alto risco no Fonar (Formulário Nacional de Avaliação de Risco) – incluindo temor da vítima, violações anteriores de medidas protetivas, vício em álcool e drogas e resistência à prisão –, a delegada optou por pedir nova medida protetiva, mas não pela manutenção da prisão.

A Corregedoria da Polícia Civil já abriu procedimento para apurar a conduta da autoridade policial no caso de Ivone. O corregedor-geral, delegado Nilson Friedrich, solicitou imagens do sistema de monitoramento da delegacia, auditoria no sistema de boletins de ocorrência e a oitiva dos PMs que prenderam o agressor.

Provas recusadas e desvios de atribuição

Antes mesmo do feminicídio de Ivone, a Defensoria Pública já havia alertado para problemas na DEAM. Em outubro de 2024, a defensora Thais Dominato, então à frente do Nudem (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher), enviou ofício ao MP relatando que uma vítima de perseguição tentou entregar um pendrive com mensagens e fotos como prova, mas o investigador se recusou a recebê-lo.

Segundo o documento, o investigador afirmou que a delegacia “era um local apenas para registrar o BO” e que as provas deveriam ser entregues à Defensoria Pública – um desvio de atribuição, já que a recepção de provas é dever da polícia judiciária.

O ofício alertava que não se tratava de um fato isolado, pois outras mulheres relataram situações semelhantes. O caso gerou a abertura de um procedimento de verificação, que se intensificou após a morte de Vanessa Ricarte. Mesmo assim, relatos de mau atendimento continuaram a chegar até o Disque 180.

Diante dos novos relatos, o promotor Douglas solicitou nova apuração à Corregedoria. “Os fatos relatados pelas reclamantes impõem a deflagração de procedimento disciplinar (…), com a finalidade de apurar se as pessoas apontadas incorreram em violação de dever funcional”, indicou.

A Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública) e a Polícia Civil ainda não se pronunciaram conclusivamente sobre as investigações em andamento.

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Edição 258