Investigações da PF detalham esquema de lavagem de dinheiro, tráfico internacional e adulteração de combustíveis com ramificações em Campo Grande, Iguatemi e Dourados; polícia civil de SP também é citada
As investigações da Polícia Federal que culminaram na maior operação de sua história contra o crime organizado desvendaram que Mato Grosso do Sul se tornou uma das bases mais sólidas e estratégicas do Primeiro Comando da Capital (PCC). A posição geográfica do estado, fazendo fronteira com a Bolívia (origem da cocaína) e com o Paraguai (entreposto de negócios ilegais), foi crucial para a facção, que ainda estruturou uma robusta rede de lavagem de dinheiro em território sul-mato-grossense.
Sob o comando de Mohamad Houssein Mourad e Roberto Augusto Leme da Silva, o “Beto Loko”, a facção estabeleceu suas conexões no estado entre 2020 e 2021, atuando principalmente em Campo Grande, Iguatemi e Dourados.

Na capital, Campo Grande, o grupo estruturou o cerne de seu esquema financeiro em endereços nobres. Empresas como a Copape Produtos de Petróleo Ltda. (Afonso Pena), Gasp Participações e Investimentos S.A. (Centro) e Control Participações Ltda. (Jardim dos Estados) eram peças-chave para os negócios ilegais.
Todas estavam conectadas ao braço operacional em Iguatemi por meio da Safra Distribuidora de Petróleo S.A., presidida por Armando Hussein Ali Mourad, irmão de Mohamad. Em um único endereço no município de fronteira, funcionava um verdadeiro “condomínio de distribuidoras”, com oito empresas e um capital social total de aproximadamente R$ 36 milhões.
Além da Safra, operavam no mesmo local: Orizona Combustíveis S.A., Maximus Distribuidora de Combustíveis Ltda., Alpes Distribuidora de Petróleo Ltda., Império Comércio de Petróleo S.A., Star Petróleo S.A., Arka Distribuidora de Combustíveis Ltda. e Duvale Distribuidora de Petróleo e Álcool Ltda.
A Duvale era dirigida por Daniel Dias Lopes, um traficante condenado e foragido que integra a lista de procurados da Interpol. Lopes é apontado pelas investigações como o elo direto entre a lavagem de dinheiro por meio dos negócios de fachada e o tráfico internacional. Ele também aparece como sócio oculto da Arka Distribuidora.
Elo policial e ciclo completo do crime
A ação cautelar do Ministério Público de São Paulo revela outro vínculo preocupante: o policial civil João Chaves Melchior é citado como provável proprietário de um imóvel rural em Iguatemi, usado para ocultação de bens e possível lavagem de ativos. Melchior, um dos primeiros alvos da Operação Carbono Oculto, foi preso na semana passada em Paulínia (SP), suspeito de fraude fiscal, lavagem de dinheiro e adulteração de combustíveis operadas pelo PCC. Investigadores suspeitam que ele teve atuação estratégica na estrutura de Iguatemi.
De acordo com a PF e o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), a coincidência de endereços e a abertura simultânea das empresas em Iguatemi indicam uma operação coordenada para movimentar grandes volumes de dinheiro e combustíveis. A proximidade com o Paraguai reforça o uso estratégico da cidade para tráfico e contrabando.
O esquema em Mato Grosso do Sul funcionava como um ciclo completo: a cocaína traficada para Europa e EUA; as operações de fachada em Iguatemi para dar lastro às transações; e a lavagem final do dinheiro, que era realizada de forma sofisticada por meio de fintechs localizadas na Avenida Faria Lima, em São Paulo.
As investigações também colocaram Dourados no radar. A cidade não foi palco de crimes diretamente, mas aparecia em rotas fiscais de caminhões que transportavam metanol importado. O produto, autorizado em apenas 0,5% na composição da gasolina, era usado ilegalmente em até 50%.
A carga saía de Paranaguá (PR) com destino declarado a Primavera do Leste (MT), mas as rotas previstas passavam por Dourados. Na prática, os caminhões desviavam para São Paulo. A fraude, sustentada por notas fiscais frias, resultou no desvio de mais de 10 milhões de litros de metanol.
Esquema bilionário e infiltração na economia
Processos da Justiça de São Paulo citam Iguatemi ao lado de cidades como Guarulhos e Osasco como bases de empresas suspeitas que serviam de fachada para fraudes fiscais, lavagem de dinheiro e adulteração de combustíveis. As investigações apontam que a rede movimentou mais de R$ 8 bilhões.
Autoridades avaliam que a operação força uma ampliação da compreensão sobre a dimensão do PCC. A facção, além de controlar o tráfico internacional, infiltrou-se profundamente na economia formal, com conexões em mercados financeiros, redes de postos, combustíveis e mercado imobiliário, usando a corrupção de agentes públicos como peça-chave para manter sua cadeia de negócios ilícitos.











