Promulgada pelo Congresso Nacional nesta terça-feira (9), a PEC 66/2023, que altera as regras de pagamento de precatórios por estados e municípios, deve impactar significativamente as contas públicas de Mato Grosso do Sul. A estimativa é que a medida alivie em quase R$ 5 bilhões as dívidas do Governo do Estado e das prefeituras sul-mato-grossenses.
Na prática, a Proposta de Emenda à Constituição flexibiliza o pagamento dessas dívidas judiciais já reconhecidas, permitindo que sejam quitadas em parcelas menores e com prazos muito mais longos. Os precatórios são débitos definitivos da administração pública, originados de ações judiciais que já não cabem mais recursos, como questões envolvendo servidores, indenizações por desapropriação ou cobranças de fornecedores.
Embora represente um alívio para o caixa dos entes públicos, a medida é vista com ressalvas por especialistas. O advogado Lucas Medeiros Duarte, do escritório Saad & Duarte Advocacia e Consultoria Jurídica, avalia que, na prática, a população credora acaba sendo prejudicada.
“Enquanto a decisão do Congresso Nacional alivia ‘o caixa’ do Estado e dos municípios sul-mato-grossenses, a população, infelizmente, acaba recebendo ‘um calote’, praticamente. Isso porque o pagamento dos débitos será postergado mais uma vez, agora por mais 17 anos conforme as novas regras”, afirmou Duarte.
Segundo seus cálculos, a dívida dos municípios de MS triplicou: de cerca de R$ 500 milhões em 2015 para algo entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão atualmente. Já os precatórios estaduais teriam saltado de R$ 1 bilhão para aproximadamente R$ 3 bilhões no mesmo período.
O advogado critica a proposta, argumentando que o instrumento dos precatórios, criado para garantir o cumprimento de decisões judiciais contra o poder público, vem sendo “desvirtuado”.
“A partir do momento em que você não paga uma dívida, isso gera perda de credibilidade do governo. Como acreditar que receberá alguma coisa?”, questiona, apontando ainda possíveis inconstitucionalidades na medida.
A controvérsia já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). O Conselho Federal da OAB ajuizou uma ação contra a PEC, com pedido de liminar, argumentando que a medida permite que estados e municípios posterguem “indefinidamente” o pagamento de precatórios.
Origem da medida e defesa dos gestores
A PEC surge em um contexto onde estados e municípios enfrentavam dificuldades para cumprir um prazo anterior, estabelecido em 2021, que exigia o pagamento dessas dívidas até 2029.
“Como esse prazo já está chegando, o Congresso, provavelmente vendo que os municípios não iriam conseguir pagar essa dívida à população que tem esse crédito, publicou agora essa PEC que acaba com essa obrigatoriedade”, explicou Duarte.
Do lado dos gestores públicos, a promulgação é celebrada. O presidente da Assomasul (Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul), Thalles Tomazelli, classificou a medida como “uma grande vitória para o municipalismo”.
“Na prática, isso significa mais equilíbrio fiscal e melhores condições para cuidar da saúde, educação e infraestrutura da nossa população”, afirmou.
Na mesma linha, o presidente do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados) e secretário de Fazenda de MS, Flávio César, defendeu que a PEC “faz justiça e rememora um princípio importante do pacto federativo”.
O debate, portanto, coloca de um lado a saúde fiscal dos estados e municípios e, de outro, a segurança jurídica e o direito de quem espera o recebimento de valores já reconhecidos pela Justiça. O desfecho final desta disputa pode depender da análise do STF.