Ferrovia Fantasma: Rumo é autuada 74 vezes por abandono da Malha Oeste enquanto MS espera nova licitação

Relatórios da ANTT revelam dormentes apodrecidos, trilhos trincados e trens trafegando a 1 km/h em trecho estratégico entre SP e MS; governo promete novo modelo de concessão para fevereiro de 2026.

 

A concessionária Rumo Malha Oeste acumula 74 autuações em três anos (2021-2024) por descumprir obrigações básicas de manutenção nos 1.973 quilômetros de linhas férreas entre Mairinque (SP) e Corumbá (MS). Sete dessas infrações resultaram em multas que somam R$ 7,5 milhões, aplicadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

O cenário de abandono contrasta com a expectativa de renovação: o Ministério dos Transportes prepara nova modelagem de concessão para “salvar” a Malha Oeste, prevista para fevereiro de 2026. A informação foi confirmada pelo governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PP), após conversa com o ministro Renan Filho.

“O ministro me garantiu que terá uma modelagem nova para a ferrovia”, afirmou Riedel, lembrando que o contrato atual vence em julho de 2025.

Abandono Documentado

Enquanto a nova licitação não sai, a ANTT mantém a fiscalização sobre a gestão da Rumo. A multa mais recente, de R$ 2,1 milhões, foi notificada em 30 de setembro, referente à retirada de 4 km de trilhos do ramal de Ladário (MS) para uso em outro trecho – prática proibida por comprometer a integridade do patrimônio.

A degradação é generalizada. Inspeção de dezembro de 2024 constatou que 94,5% dos dormentes no trecho de 436 km entre Campo Grande e Três Lagoas estão estragados. O relatório técnico é devastador: em 2022, a empresa substituiu apenas 32 metros de trilhos; em 2023, apenas 96 metros; e em 2024, nenhuma substituição foi registrada até a data da vistoria.

“As ações de recuperação previstas são irrisórias diante do tamanho do problema”, afirma o documento, que critica a previsão de aplicação de apenas 7.200 dormentes em 2024 – número considerado “insuficiente face ao grande porcentual de dormentes inservíveis”.

A precariedade impõe restrições severas à operação. Entre Bauru (SP) e Três Lagoas (MS), os trens trafegam a apenas 20 km/h. Em quatro pontos críticos, a velocidade cai para 1 km/h – praticamente em marcha lenta.

Segundo a ANTT, “a postura da concessionária de não empenhar recursos para a manutenção mínima necessária atenta contra a segurança do transporte ferroviário e das comunidades lindeiras”.

O descumprimento contratual é reiterado. Das 74 autuações, 20 referem-se especificamente ao abandono da faixa de domínio. Situações críticas incluem:

  • Trecho Bauru-Mairinque (SP): multa de R$ 2,03 milhões

  • Três Lagoas-Bauru: R$ 1,015 milhão por não comunicar interrupção total do tráfego

  • Corumbá: ocupação irregular da faixa de domínio por estacionamento de caminhões

  • Ponta Porã: R$ 396 mil por abandono da estação ferroviária

Mariana Sánchez, chefe de gabinete da Superintendência de Transporte Ferroviário (Sufer), foi incisiva: “A depreciação não apenas existe, como salta aos olhos, registrada em imagens inequívocas que revelam dormentes apodrecidos, trilhos trincados, lastro contaminado”.

Defesa da Empresa

Em nota, a Rumo argumenta que cumpre suas obrigações e que a manutenção é feita “de forma contínua”. A empresa sustenta que o termo aditivo de 2021 redefiniu suas obrigações, limitando-se a “investimentos essenciais à manutenção das condições dos bens vinculados até a assunção do sistema por nova concessionária”.

Na prática, a empresa reconhece que reduziu drasticamente os investimentos, alegando estar apenas “mantendo a operação até a relicitação”.

O impasse remonta a 2023, quando o TCU barrou proposta de solução consensual que permitiria à Rumo devolver 1,6 mil km dos 1,9 mil km da ferrovia, mantendo apenas o trecho mais rentável. O tribunal considerou o plano “incompatível com o interesse público” e determinou relicitação integral.

Enquanto isso, a degradação da via permanente compromete o potencial logístico de Mato Grosso do Sul, mantendo o escoamento de minérios e grãos refém do transporte rodoviário, mais caro e poluente.

Relatórios da ANTT alertam que a situação representa “risco à segurança operacional e às comunidades lindeiras”, especialmente nos trechos urbanos de Campo Grande, Três Lagoas e Corumbá – aguardando, agora, a prometida revitalização em fevereiro de 2026.

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Edição 261