Servidores aguardam pagamento de R$ 27,5 milhões em retroativos e temem morrer sem ver o dinheiro, enquanto Estado receia “efeito cascata” que beneficiaria 8 mil funcionários
Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), comemorada em janeiro por um grupo de 50 servidores da Saúde de Mato Grosso do Sul, tornou-se uma fonte de frustração e angústia nove meses depois. A corte concedeu aos trabalhadores um aumento salarial de aproximadamente 50% e uma indenização retroativa que soma pouco mais de R$ 27,56 milhões. No entanto, nenhum dos valores foi pago, e o temor do grupo é que a demora do Estado continue custando vidas.
A longa batalha judicial já teve um preço humano: pelo menos três dos autores originais da ação morreram durante os 15 anos de tramitação do processo, sem ver o desfecho da luta.
O direito ao reajuste foi reconhecido pelo STF em novembro do ano passado, com base no artigo 37 da Lei 3.193/2006, que aprovou o Plano de Cargos e Carreira (PCC) dos servidores. Os benefícios foram pagos por dois anos e dois meses, mas foram suspensos durante a gestão de André Puccinelli, o que motivou a ação judicial em 2010.
Após perderem na Justiça estadual, os servidores recorreram e venceram no Supremo. Apesar da notificação oficial em janeiro, o Estado não cumpriu a decisão. Em junho de 2024, o advogado do grupo precisou acionar novamente a Justiça. O vice-presidente do Tribunal de Justiça de MS então ordenou a correção salarial e estipulou uma multa diária de R$ 3 mil por descumprimento. Mesmo assim, nada mudou.
O temor do “efeito cascata” e a luta pelo reajuste imediato
O cerne da resistência do Estado, segundo os servidores, é o medo de um “efeito cascata”. A decisão do STF beneficia diretamente 50 servidores, mas acredita-se que o direito possa ser estendido para grande parte dos cerca de 8 mil funcionários da Secretaria de Estado de Saúde que atuam no Hospital Regional, Hemosul, Laboratório Central, Casa da Saúde e na sede da pasta.
Ruth de Jesus Conde, uma das servidoras contempladas, explica que o sindicato da categoria moveu uma ação coletiva na mesma época, o que impediu a prescrição do direito ao reajuste para os demais trabalhadores. “Caso ocorra realmente este efeito cascata, a maior parte dos servidores passaria a ter esse direito, temem os administradores estaduais”, confirma a reportagem.
Para Ruth, que há 40 anos atua na administração estadual e hoje trabalha no Laboratório Central, os retroativos calculados em dezembro passado superam os R$ 308 mil. No entanto, sua principal cobrança não é pelo pagamento em atraso, mas pelo reajuste salarial imediato.
“O precatório pode até ficar para nossos netos ou bisnetos. O que a gente cobra é o reajuste imediato do nosso vencimento mensal”, desabafa. “Temos vários idosos no grupo e pessoas estão morrendo sem ver este dinheiro. Será que mais gente vai ter de morrer para que decidam cumprir esta ordem do STF?”
A espera que se arrasta
Enquanto o “jogo de empurra” entre Procuradoria-Geral do Estado, Tribunal de Justiça e Ministério Público, citado por Ruth, permanece, a situação financeira dos servidores não se altera. O salário-base de uma das autoras da ação, por exemplo, que deveria saltar de R$ 2.533,00 para R$ 3.841,00 (aumento de 51%), permanece congelado.
A servidora finaliza com um questionamento que ecoa a frustração de todo o grupo: “Eles tiveram todo o tempo do mundo para se defenderem lá em Brasília. Perderam e precisa cumprir. Decisão judicial não vale mais?”
A reportagem tentou contato com a Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul para obter um posicionamento sobre os motivos do não cumprimento da decisão judicial, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço continua aberto para manifestação.