Enquanto governo pretende assinar contrato até o fim de outubro, consórcio desclassificado recorre ao TJ-MS para tentar invalidar a decisão e recuperar a posse das rodovias
Um conflito judicial envolvendo a concessão de 870 quilômetros de rodovias no Mato Grosso do Sul, conhecida como Rota da Celulose, expõe uma acirrada disputa e graves acusações de direcionamento de licitação. O consórcio K&G, vencedor original do leilão realizado em 8 de maio na B3, recorreu à Justiça para tentar reaver o direito de administrar as estradas, após ter sido desclassificado por uma decisão do Governo do Estado que beneficiou o segundo colocado, o consórcio Caminhos da Celulose.
A argumentação central do consórcio K&G é de que a conduta do governo “revela, somada aos demais elementos, a clara intenção de direcionar certame público, porque cria regras não previstas no edital”. O consórcio havia vencido a disputa ao oferecer o maior deságio (desconto) sobre o valor máximo da tarifa de pedágio, de 9%.
A Volta do Jogo: Recurso e Desclassificação
A polêmica começou após o leilão. O consórcio Caminhos da Celulose, que ficou em segundo lugar, moveu um recurso administrativo contra a habilitação da K&G. O Governo do Estado acolheu o recurso e desclassificou o consórcio vencedor, entregando a concessão ao segundo colocado.
Em resposta, a K-Infra, detentora de 50% das ações do consórcio K&G, ingressou com uma ação no início de agosto. A empresa alega que a Autoridade Coatora (o governo) “mesmo na pendência de recurso administrativo com automático efeito suspensivo, prosseguiu/ignorou e adjudicou o contrato para o segundo colocado”. Na prática, a empresa acusa o governo de ter assinado o contrato com o Caminhos da Celulose mesmo com um recurso em andamento que, por lei, deveria suspender o processo.
A petição inicial da K-Infra vai além e questiona a motivação da decisão, classificando-a como “nada democrática e muito menos legal”. O texto sugere influência indevida: “Talvez em razão do poder econômico exercido por uma das recorrentes integrantes do consórcio, a Comissão Especial de Licitação acolheu o recurso com base em critérios inéditos”.
Os advogados do consórcio desclassificado utilizaram um linguajar forte para descrever a atuação da comissão de licitação, classificando-a como “mendaz, improba e em desrespeito à lei”. O termo “mendaz”, sinônimo de desleal, enganosa, pérfida e traiçoeira, evidencia o nível do descontentamento e a gravidade das acusações.
O consórcio Caminhos da Celulose, beneficiado pela desclassificação, é formado pelo fundo de investimentos XP (detentor de 50% das cotas) e por um grupo de empreiteiras, muitas das quais já possuem contratos milionários com o estado para obras de pavimentação.
A desclassificação da K&G ocorreu com base na perda de uma concessão federal na BR-393 (Rodovia do Aço, no RJ), que havia sido usada como experiência para sua habilitação na licitação sul-mato-grossense. A empresa perdeu a concessão da BR-393 cerca de um mês após vencer o leilão da Rota da Celulose.
Em sua defesa, a K-Infra argumenta que “não há qualquer previsão em nosso ordenamento jurídico de que a decretação da caducidade [fim da concessão] produza efeitos retroativos, a fim de desconstituir situação plenamente constituída”. Ou seja, a empresa sustenta que a perda da concessão no RJ, sendo um fato posterior ao leilão, não poderia desqualificá-la retroativamente.
A K-Infra protocolou a ação na 3ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos no dia 7 de outubro, e aguarda a manifestação de um juiz sobre um pedido de liminar para suspender o processo.
A concessão da Rota da Celulose tem validade de 30 anos e prevê investimentos totais de R$ 10 bilhões, sendo R$ 6,9 bilhões em despesas de capital (obras) e R$ 3,2 bilhões em custos operacionais. O pacote de obras inclui duplicações, acostamentos, terceiras faixas, contornos urbanos, passagens de fauna e a instalação de 12 praças de pedágio. O desfecho judicial definirá quem executará este megaprojeto.