MS tem taxa de estupro de vulnerável 40% maior que a do Pará

Enquanto arquipélago paraense se torna símbolo nacional de exploração infantil, Mato Grosso do Sul ocupa o 5º lugar no ranking de violência sexual contra crianças e adolescentes; especialistas apontam falha coletiva na proteção

 

 O arquipélago do Marajó, no Pará, tornou-se recentemente um símbolo nacional das denúncias de abuso e exploração sexual infantil, mas a violência contra crianças e adolescentes atinge patamares ainda mais alarmantes em outros estados brasileiros. Enquanto o Pará ocupa a 7ª posição no ranking de estupro de vulnerável, Mato Grosso do Sul aparece em 5º lugar, com uma taxa quase 40% superior à do estado nortista.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, Mato Grosso do Sul registra 71,1 casos de estupro de vulnerável a cada 100 mil habitantes, superado apenas por Roraima (110,2), Acre (86,1), Amapá (78,5) e Rondônia (78,4). O Pará, por sua vez, apresenta 51,7 casos por 100 mil habitantes.

A comoção nacional em torno do Marajó ocorre pela extrema pobreza da região – em algumas comunidades, mais de 60% das famílias vivem com renda inferior a meio salário mínimo. Essa vulnerabilidade econômica aumenta a dependência de meninas e adolescentes de homens adultos, perpetuando relações abusivas naturalizadas, muitas vezes disfarçadas de “namoro” ou “ajuda financeira”.

Em Mato Grosso do Sul, realidade semelhante se repete em comunidades indígenas e polos turísticos como Corumbá e Porto Murtinho, onde a exploração sexual está diretamente ligada ao turismo de pesca. Agora, uma nova preocupação surge com as grandes obras de fábricas de celulose que transformam rapidamente cidades como Inocência, Bataguassu, Ribas do Rio Pardo e Três Lagoas, além da Rota Bioceânica.

Falha coletiva na proteção

Para a pesquisadora Estela Márcia Rondina Scandola, da Rede Feminista de Saúde, os números refletem uma falha coletiva na proteção de quem deveria ser prioridade. “Essas crianças e adolescentes não estão sendo cuidadas como o Estatuto da Criança e do Adolescente determina. O estupro de vulnerável é, na verdade, o estupro de quem foi deixado sem cuidado pela família, pela comunidade e pelo Estado”, afirma.

A pesquisadora lembra que, mesmo sendo o 9º estado mais competitivo do país, Mato Grosso do Sul carrega uma história marcada por diferentes formas de violência: “Desde o genocídio indígena, passando pela guerra e pela expropriação de terras, até a exploração de imigrantes, a violência está presente na formação do Estado”.

Dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) reforçam a gravidade: até 14 de outubro de 2025, foram registradas 1.556 vítimas de estupro em Mato Grosso do Sul. Desse total, 1.354 são do sexo feminino, sendo 1.262 crianças e adolescentes.

Um caso emblemático chocou o estado em setembro: Emanuelly, de seis anos, foi levada de casa por um vizinho, Marcos Willian Teixeira Timóteo, amigo da família, sob a promessa de um “passeio”. A menina foi estuprada e morta na casa dele, na Vila Carvalho, em Campo Grande.

Ausência de políticas em áreas de grandes obras

Viviane Vaz, coordenadora do Projeto Nova, que acolhe vítimas de violência sexual, ressalta que o bom desempenho econômico e educacional não se traduz necessariamente em proteção social. “A violência sexual está ligada a estruturas profundas, como desigualdade de gênero, poder e silenciamento. Mesmo em contextos com mais renda e escolaridade, o machismo e a negação da escuta persistem.”

As especialistas relacionam o avanço dos índices à ausência de políticas de proteção em áreas de grandes obras. “Ninguém protegeu as crianças e adolescentes desses territórios. Sempre que há grandes obras, os índices de estupro aumentam, e isso mostra falta de responsabilização coletiva”, destaca Estela.

Resposta do governo e necessidade de mudanças

O governo do Estado afirma que atua de forma integrada por meio do Protege (Programa Estadual de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra as Mulheres), que articula ações de prevenção, acolhimento e responsabilização de agressores. Também foram implantados Centros Especializados de Atendimento à Mulher, à Criança e ao Adolescente em 12 municípios com altos índices de violência de gênero.

Apesar dos esforços, as especialistas defendem que os avanços dependem de mudanças estruturais. “Sem educação afetiva, cidadania e investimento real em políticas públicas, os números continuam altos, mesmo em estados considerados ricos”, alerta Viviane Vaz.

Em casos de violência sexual contra crianças e mulheres: Disque 100 ou 180. As ligações são gratuitas e anônimas.

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Edição 262