Facção criminosa encontra nova fonte de lucro no contrabando e falsificação de defensivos agrícolas, com Mato Grosso do Sul como epicentro das operações
O Primeiro Comando da Capital (PCC) diversificou seus negócios criminosos e encontrou uma nova e lucrativa fonte de renda: o mercado de agrotóxicos falsificados e contrabandeados, que movimenta aproximadamente R$ 20,8 bilhões por ano no Brasil. Um levantamento do Ministério Público de São Paulo (MPSP) revela que a facção já atua nesse esquema, que teve sua maior apreensão registrada em Mato Grosso do Sul entre 2018 e 2021.
A descoberta da participação do PCC no comércio ilegal de agrotóxicos surgiu durante investigações sobre agiotagem em Franca, no interior de São Paulo. As investigações mostraram que a facção havia recebido R$ 40 mil referentes a um pagamento “pelo veneno” e sofrido um calote em outra negociação. Essas evidências levaram o Ministério Público a ampliar as apurações sobre a atuação criminosa nesse segmento.

De acordo com o Instituto de Desenvolvimento Econômico Social de Fronteira (IDESF), o mercado paralelo de agrotóxico é sustentado por quatro crimes principais: roubo de carga legalizada, falsificação de defensivo agrícola, contrabando e importação de produtos legais para uso em adulterações (desvio de finalidade).
Mato Grosso do Sul lidera as apreensões de agrotóxicos ilegais no país, concentrando entre 35% a 40% das operações da Polícia Federal, especialmente nas regiões de fronteira com o Paraguai, principal origem dos produtos contrabandeados. Em 2023, foram apreendidas 575 toneladas de agrotóxicos no estado, representando um aumento de 180% em relação a 2022. Apenas no primeiro trimestre de 2024, já haviam sido apreendidas 345 toneladas.
No dia 10 de outubro, em uma única abordagem em Eldorado, na região sul do estado, a Polícia Rodoviária Federal apreendeu nove toneladas de agrotóxicos contrabandeados. Esse contrabando é impulsionado pelas diferenças tributárias entre Brasil e Paraguai e pela falta de rastreabilidade digital, o que permite ao crime organizado atuar com logística e distribuição estruturadas.
Histórico de expansão do PCC em MS
O PCC chegou a Mato Grosso do Sul no ano 2000, quando São Paulo transferiu lideranças para o estado. Rapidamente, o grupo inicial de cinco presos formou seu exército local. Aproveitando-se das fronteiras de MS com Paraguai e Bolívia, a facção ganhou projeção no tráfico de drogas e armas, além de contribuir para a escalada da violência na região. Posteriormente, adotando métodos mais refinados para lavagem de dinheiro, a facção se infiltrou na economia formal, estendendo seus tentáculos para o setor de postos de combustíveis e empresas digitais de serviço financeiro (fintechs).
Para a facção, o Paraguai ganhou importância adicional por ter se tornado um polo de formulação de agroquímicos ilegais, favorecido por legislação mais flexível e baixa carga tributária. As rotas do contrabando seguem as mesmas utilizadas para o transporte de cigarros e eletrônicos ilegais.
Este ano, o assunto ganhou maior repercussão devido a denúncias de uso de produtos ilegais em áreas indígenas, com suspeita de envolvimento de técnicos e falsificação de documentos. No mês passado, em Japorã, a Operação Ceres II reuniu Ibama, Força Nacional de Segurança Pública e Funai no combate ao contrabando de agrotóxicos.
A ação reforçou a fiscalização na Terra Indígena Yvy Katu, em Japorã, contra o uso irregular de agrotóxicos e ocorreu em dez pontos distintos da terra indígena, resultando em quatro autuações. Segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso do Sul, os casos de intoxicação por agrotóxicos dobraram no estado entre 2021 e 2023, o que reforça a gravidade da situação e os riscos à saúde enfrentados pelas populações indígenas locais.
Especialistas apontam que uma das propostas para controlar a entrada de agrotóxicos ilegais é a implementação de rastreabilidade tecnológica e cooperação permanente entre Estado e setor privado para conter o avanço do crime organizado no agronegócio.











