Enquanto credores, como fundos de pensão, preocuam-se com prejuízos, ao menos 270 ações na Justiça de MS revelam dívidas impagáveis e contratos considerados “armadilhas” para funcionários públicos

A liquidação do Banco Master decretada pelo Banco Central na última terça-feira e a prisão de seu presidente, Daniel Vorcaro, pela Polícia Federal, trouxeram à tona um outro lado da crise: o dos devedores. Só este ano, pelo menos 272 servidores do município de Campo Grande ajuizaram ações contra o banco, alegando terem caído em uma armadilha financeira que os levou a uma situação de superendividamento.

As ações descrevem uma prática recorrente: servidores eram abordados com a oferta de um “crédito consignado”, mas, na verdade, contratavam um cartão de crédito comum – o “Credcesta” – com juros abusivos. O desconto em folha, vendido como vantagem, referia-se apenas ao pagamento mínimo, jogando automaticamente o restante da dívida no crédito rotativo e fazendo o valor devido explodir.
A estratégia ganhou força após a Prefeitura de Campo Grande reajustar, no ano passado, a margem de empréstimos consignados em 15%. Isso abriu espaço para uma enxurrada de ofertas a servidores, muitas vezes omitindo os juros elevados e a verdadeira natureza do produto.
Um caso emblemático é o da agente comunitária de saúde R. E. S. A., que tem um salário de R$ 3.703,67, mas vinha tendo descontados R$ 3.157,35, restando-lhe apenas R$ 546 para sobreviver. A maior parte do desconto é destinada ao Banco Master. Mesmo após a prefeitura ter tornado sem efeito o convênio com o banco, em maio de 2023, a servidora continua tendo R$ 385 descontados mensalmente, sem que a dívida principal seja reduzida de forma significativa.
Situação ainda mais grave é a de um servidor que viu uma dívida inicial de R$ 20 mil saltar para mais de R$ 100 mil. Outro caso curioso é o da servidora I. V. S. L., que atendeu a um vendedor, nunca utilizou o cartão, mas tem descontados R$ 265 todos os meses.
Dívidas Permanecem Após Liquidação
De acordo com especialistas, a liquidação do banco não extingue as dívidas. “A pessoa continua devendo e tendo que pagar a dívida. O banco está em liquidação, e o interventor do Banco Central exigirá o pagamento, como foi contratado”, explicou o advogado André Borges. A saída para as vítimas, portanto, depende de uma decisão judicial que reconheça os abusos nos contratos.
Em uma das ações, a advogada Laís Fujimori, que defende uma das servidoras, argumenta: “A autora encontra-se em situação de endividamento progressivo e eterno, onde o desconto mensal não reduz a dívida principal, mas apenas cobre encargos financeiros abusivos… A prática da instituição financeira caracteriza abuso de direito, onerosidade excessiva e violação ao Código de Defesa do Consumidor”.
Enquanto cobrava juros exorbitantes de servidores superendividados, o Banco Master oferecia, há pouco mais de um ano, uma remuneração atrativa de até 140% do CDI para captar recursos por meio de Certificados de Depósitos Bancários (CDBs).
Foi nessa esteira que o Instituto Municipal de Previdência de Campo Grande (IMPCG) aplicou R$ 1,2 milhão em letras emitidas pelo banco – títulos que não são cobertos pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Agora, os aposentados e o município enfrentam a possibilidade de nunca mais reaver esse dinheiro, em um prejuízo que reflete, em outra ponta, a mesma política de risco que levou milhares de pessoas à insolvência.
O episódio acende um alerta sobre a necessidade de maior regulação e fiscalização sobre as práticas de instituições financeiras junto a consumidores vulneráveis, para evitar que novas “armadilhas” do superendividamento se repitam.
(*) com informações do Correio do Estado











