STJ suspende decisão do TJMS que validou golpe milionário em fazenda no Pantanal

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Ministro Raul Araújo reverte acórdão sob suspeita de corrupção ligado à Operação Ultima Ratio; caso envolve permuta fraudulenta de propriedade avaliada em R$ 15 milhões

 

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Raul Araújo, determinou a suspensão de um acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que havia validado uma transação fraudulenta na compra da Fazenda Vai Quem Quer, localizada no Pantanal de Corumbá e avaliada em mais de R$ 15 milhões. Esta é a primeira decisão da corte superior que paralisa os efeitos de uma decisão judicial sob fortes suspeitas de corrupção, no âmbito das investigações da Operação Ultima Ratio, da Polícia Federal, que apura suposto esquema de venda de sentenças envolvendo desembargadores do TJMS.

A liminar, concedida há cerca de 20 dias, suspende o acórdão proferido pelos desembargadores Sideni Pimentel (já aposentado), Alexandre Bastos e Vladimir Abreu da Silva, que mantiveram a propriedade rural de 5,6 mil hectares com o casal Lydio de Souza Rodrigues e Neiva Rodrigues Torres, acusados de aplicar um golpe no vendedor original, o produtor rural Ricardo Pereira Cavassa. O ministro também determinou a averbação da existência de ação de rescisão contratual nas matrículas do imóvel, o que impede sua venda ou alienação.

Conforme as investigações do Ministério Público de MS, o casal é acusado criminalmente de estelionato por ter omitido, na permuta com Cavassa, graves vícios das quatro fazendas em Iguape (SP) que ofereceram em troca. As propriedades paulistas estavam sobrecarregadas com gravames judiciais, bloqueios, passivos ambientais e tinham área real menor do que a anunciada. Em um trecho de sua decisão, o ministro Raul Araújo destacou a conduta dolosa: “os requeridos […] omitiram dolosamente que não eram proprietários de uma das matrículas permutadas, que fora adjudicada a terceiros em ação judicial; pendiam gravames sobre três das matrículas […] e pendiam sobre uma das matrículas diversas multas ambientais”.

Após descobrir o esquema, Cavassa obteve vitória na primeira instância, com a anulação do contrato e a reintegração de posse da Fazenda Vai Quem Quer. No entanto, em segunda instância, os três desembargadores reformaram a sentença e validaram o negócio fraudulento.

Em seu pedido ao STJ, a defesa de Ricardo Cavassa fundamentou a suspeita sobre o acórdão do TJMS citando diretamente as investigações da Operação Ultima Ratio. O ministro Raul Araújo registrou em sua decisão: “a parte requerente (…) afirma haver indícios de corrupção e ‘venda de sentença’ no julgamento do acórdão recorrido, com referência ao Inquérito n. 4.982 no Supremo Tribunal Federal (Operação ‘Ultima Ratio’)”.

A PF encontrou, em áudios apreendidos no celular do desembargador Sideni Pimentel, provas de que Alexandre Bastos teria elaborado duas minutas de voto divergentes: uma mantendo a sentença de primeira instância (favorável a Cavassa) e outra, adotada no julgamento, validando a permuta. Os áudios indicam articulação prévia para reverter o resultado, reforçando a tese de que a decisão foi negociada.

Outro fator crucial para a concessão da liminar foi o risco de dano irreparável (periculum in mora). O ministro constatou que o casal beneficiado pela decisão suspeita já havia firmado promessa de venda de parte da fazenda com terceiros e anunciado a venda de outra parte em site especializado. A medida impede que o patrimônio seja dilapidado enquanto o mérito não é julgado.

O produtor Ricardo Cavassa também havia pedido a reintegração de posse imediata da propriedade, pedido que não foi atendido na liminar. No entanto, o ministro não negou expressamente a solicitação, o que, segundo especialistas, pode abrir espaço para um futuro embargo de declaração para esclarecer o ponto.

Desencadeada em outubro de 2024, a Operação Ultima Ratio investiga um suposto esquema de corrupção no TJMS. A operação resultou no afastamento de cinco desembargadores, incluindo os três envolvidos neste caso. Atualmente, apenas Sérgio Martins retornou ao cargo, após decisão do ministro do STF Cristiano Zanin. Os demais permanecem afastados por determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde também respondem a procedimentos disciplinares.

Paralelamente à ação civil, o casal responde a um processo criminal por estelionato. Em outubro, recusaram uma proposta do Ministério Público que os livraria da condenação caso devolvessem a fazenda a Cavassa. Com a negativa, o juiz Roberto Ferreira Filho, da 1ª Vara Criminal Residual de Campo Grande, marcou a audiência de instrução e julgamento apenas para 12 de novembro de 2026, demonstrando a morosidade da via penal.

A decisão do ministro Raul Araújo no STJ representa um marco no combate à corrupção no Judiciário, ao mostrar que decisões proferidas sob fortes suspeitas de ilicitude não prosperarão nas instâncias superiores, garantindo segurança jurídica e a proteção do patrimônio dos cidadãos.

(*) com informações do Correio do Estado

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Edição 269