O agrotóxico deixou marcas profundas e diversas em Mato Grosso do Sul ao longo de 2025. Seja no “banho” de veneno que atinge aldeias indígenas, na ação judicial de R$ 300 milhões por contaminação hídrica ou na revelação de que o mercado paralelo movimenta R$ 20,8 bilhões anuais no país – e chama a atenção até de facções criminosas –, o tema dominou o noticiário e expôs uma crise multifacetada no estado.

A face mais humana e dolorosa da questão é encontrada na aldeia Guyraroká, do povo Guarani Kaiowá, em Caarapó. Quando aeronaves pulverizam as lavouras de soja que cercam o território, a comunidade de 120 pessoas sofre imediatamente com dores de cabeça e estômago, vômitos, diarreia e intensa coceira, principalmente nos olhos. Os efeitos são mais severos entre os mais vulneráveis: dos 120 habitantes, havia, em setembro, 12 bebês, 37 crianças e quatro gestantes.
A mudança no uso do solo na região, que migrou da pecuária para a soja e o milho a partir de 2019, trouxe as sucessivas pulverizações e inviabilizou a subsistência. “Não há mais plantio de milho, amendoim, abóbora, melancia, mandioca e arroz”, relata a reportagem. A comunidade, cujo processo de demarcação está parado desde 2009, está encurralada.
A extensão da contaminação foi comprovada pela pesquisa “Agrotóxicos e violações nos direitos à saúde e à soberania alimentar em comunidades Guarani Kaiowá” (2021-2024). O estudo encontrou um “coquetel” de diferentes agrotóxicos em todas as fontes de água da Guyraroká: torneira (de poço artesiano), nascentes e chuva.
“Ficamos muito assustados com a quantidade de agrotóxico”, afirma a bióloga Alexandra Penedo de Pinho, professora da UFMS e uma das responsáveis pelo estudo. Entre os componentes identificados está o 2,4-D, o mesmo presente no “Agente Laranja”, desfolhante químico de alta toxicidade usado na Guerra do Vietnã e associado a má-formação fetal. Junto com a atrazina, esse componente tem alta capacidade de infiltrar e contaminar lençóis freáticos.
Em novembro, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação de R$ 300 milhões contra 20 empresas e o Ibama por danos ambientais no Rio Dourados. O processo cita estudo da Embrapa que identificou a presença de atrazina em todas as 117 amostras coletadas em 2021 na bacia do rio. O MPF contesta frontalmente a tese do “uso seguro” do produto, amplamente difundida pelas fabricantes.
O problema transcende o uso legal. Uma investigação sobre agiotagem em Franca (SP) revelou que a facção PCC (Primeiro Comando da Capital) havia recebido R$ 40 mil “pelo veneno”, evidenciando a penetração do crime organizado no lucrativo mercado paralelo de defensivos agrícolas, estimado em R$ 20,8 bilhões/ano no Brasil.
Mato Grosso do Sul lidera as apreensões desse comércio ilícito, concentrando 35% a 40% das operações da Polícia Federal, sobretudo na fronteira com o Paraguai, principal origem do contrabando.
Dados oficiais da Iagro mostram a escala do uso: de janeiro a junho de 2025, propriedades rurais de MS utilizaram 43 milhões de litros e 17 mil toneladas de agrotóxicos. Desse total, 5,9 milhões de litros eram classificados como altamente e extremamente tóxicos – um aumento preocupante em relação aos 4,9 milhões de litros do mesmo grau de toxicidade registrados no ano anterior.
O ano de 2025 escancarou, assim, um ciclo perverso em Mato Grosso do Sul: o modelo de produção que sustenta a economia estadual gera, simultaneamente, um rastro de intoxicação em comunidades tradicionais, contaminação ambiental em larga escala e fortalece redes de ilegalidade que se entrelaçam com o crime organizado.
(*) com informações de Campo Grande News











