Os desafios da megaobra: o que especialistas dizem sobre a Rota Bioceânica

Como a Rota Bioceânica pode transformar o comércio sul-americano – e quais problemas ainda precisam ser resolvidos

Thais Dias

No coração da América do Sul, uma obra monumental está tomando forma, prometendo reescrever os rumos do comércio internacional. A Rota Bioceânica, com seus impressionantes 2.300 quilômetros, surge como uma ponte terrestre entre o Atlântico e o Pacífico, conectando Brasil, Paraguai, Argentina e Chile em um corredor logístico que pode reduzir drasticamente o tempo e os custos das exportações para a Ásia. O projeto, que já sai do papel, carrega consigo o potencial de transformar Mato Grosso do Sul em um estratégico hub de distribuição, mas também enfrenta desafios tão grandes quanto suas ambições.

O traçado desta rota é uma resposta visionária aos gargalos históricos do comércio exterior sul-americano. Enquanto os produtos brasileiros hoje precisam contornar todo o continente ou enfrentar as limitações do Canal do Panamá, a nova via oferece um caminho direto para os portos chilenos no Pacífico, porta de entrada privilegiada para o lucrativo mercado asiático. Para Mato Grosso do Sul, estado que abriga o ponto de partida brasileiro do corredor, as implicações são profundas. A ponte entre Porto Murtinho e Carmelo Peralta, no Paraguai, já se ergue sobre o rio Paraguai como símbolo concreto deste futuro que se aproxima, uma obra financiada pela Itaipu Binacional que está em fase final de construção.

Mas os desafios começam a aparecer quando olhamos para a geografia implacável da região. A Cordilheira dos Andes, com seus caminhos sinuosos e altitudes extremas, apresenta um obstáculo quase intransponível para os gigantescos caminhões que transportam soja brasileira. Eduardo Casarotto, professor da UFGD, explica com realismo: “Os rodotrens e bitrens simplesmente não têm força para essas subidas, e em muitos trechos nem são permitidos”. Essa limitação impõe um redesenho nas estratégias de exportação – enquanto a soja talvez precise manter suas rotas tradicionais, produtos como carne congelada e sucos concentrados encontram na Rota Bioceânica uma alternativa viável e promissora.

O sucesso do projeto, porém, não depende apenas de asfalto e pontes. Um dos gargalos mais urgentes está na escassez de profissionais qualificados. Claudio Cavol, do SetLog-MS, alerta para o déficit de mais de 15 mil motoristas no estado – mão de obra essencial para fazer a rota funcionar em plena capacidade. “Precisamos não apenas de mais caminhoneiros, mas de profissionais preparados para operar em rotas internacionais, com conhecimento de normas alfandegárias e até noções de espanhol”, ressalta. A resposta vem em forma de programas como o Voucher Transportador, iniciativa do governo estadual que em 2025 oferecerá 3 mil vagas em cursos gratuitos para formação de motoristas, num investimento que ultrapassa R$ 3,5 mil por aluno.

A burocracia nas fronteiras se apresenta como outro obstáculo considerável. Jorge Michelc, da Aprosoja-MS, observa com otimismo cauteloso: “A Rota Bioceânica é uma janela de oportunidades, mas precisamos harmonizar processos entre quatro países com legislações diferentes”. Essa complexidade regulatória pode ser especialmente desafiadora para pequenas e médias empresas, que muitas vezes não têm estrutura para navegar por trâmites alfandegários ainda mais intrincados que os atuais.

Compartilhe nas Redes Sociais

Banca Digital

Edição 247